Nonato Guedes
O governo do presidente Jair Bolsonaro tem feito de tudo para tumultuar e, se for o caso, dinamitar a Comissão Parlamentar de Inquérito oficialmente criada no Senado, por determinação do Supremo Tribunal Federal, para apurar omissões do Planalto no combate à pandemia da Covid. Uma estratégia repassada aos aliados de Bolsonaro na comissão, sob o comando do presidente do PP, Ciro Nogueira, recomenda que eles centrem fogo na discussão do uso de recursos federais na pandemia pelos governadores de Estados, principalmente os do Nordeste. Interlocutores palacianos consideram que o Nordeste representa, hoje, um “bunker” da esquerda.
O presidente quer que pelo menos três governadores nordestinos sejam alvos prioritários de seus artilheiros, segundo informa a colunista Thaís Oyama, do UOL: os petistas Rui Costa, da Bahia, e Camilo Santana, do Ceará, mais Flávio Dino, do PCdoB, que governa o Maranhão. Embora a legislação não permita às Comissões Parlamentares de Inquérito investigarem governadores ou governos, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu que a da Covid tratará, além das ações e inações do governo Bolsonaro na pandemia, também do destino que tiveram os repasses de verbas para Estados e municípios, feitos pelo governo federal. É por meio dessa segunda frente de investigações que o governo cogita dividir com adversários os prejuízos da CPI da Covid.
De acordo com as versões, um dos primeiros casos a serem levantados com esse propósito pelos aliados de Bolsonaro na CPI será o da compra de respiradores, que foi feita pelo Consórcio Nordeste, grupo formado por nove governos para atrair investimentos para a região. No ano passado, por iniciativa do governador da Bahia, Rui Costa, o grupo pagou antecipadamente à empresa Hempcare 48 milhões de reais pela compra de 300 respiradores que nunca chegaram a ser entregues. O dinheiro tampouco foi devolvido e as investigações, que correm sob sigilo, provocaram a queda do secretário da Casa Civil de Rui Costa, Bruno Dauster. O plano de Bolsonaro para fazer frente à CPI que ele fez de tudo para engavetar surge às vésperas de um movimento estratégico do novo diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino.
Maiurino, como informa Thaís Oyama, foi recém-nomeado pelo também novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, próximo de Bolsonaro. Torres, por sua vez, substitui André Mendonça na reorganização do tabuleiro de xadrez dos ministérios feita com o propósito de agradar ao “Centrão” e debelar a crise provocada pela demissão sumária do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, seguida da queda dos três comandantes das Forças Armadas. Assim que tomou posse há uma semana, Maiurino substituiu toda a cúpula da Polícia Federal e, agora, se prepara para trocar superintendentes regionais da instituição. Com a instalação da CPI da Covid e diante do contra-ataque planejado pelo governo, é certo que escolherá a dedo os chefes dos Estados do Nordeste.
Enquanto atira para todos os lados para sobreviver diante de um desfecho imprevisível da CPI da Covid, Jair Bolsonaro colecionou, ontem, maiores motivos de preocupação, vindos do Tribunal de Contas da União, que praticamente deu à Comissão Parlamentar de Inquérito munição pesada contra o governo federal. Na sessão que passou em revista a atuação do governo federal no combate à pandemia, baseada em parecer técnico, os ministros do TCU foram bastante duros com o trabalho do Ministério da Saúde, em especial no período do general Eduardo Pazuello – aquele que o presidente tentou proteger ao máximo, segurando-o no cargo para não expô-lo a um bombardeio que tende a ser inevitável, já que o próprio Pazuello afirmava estar apenas “cumprindo ordens” do mandatário.
O ministro Bruno Dantas, após a leitura do relatório no Tribunal de Contas da União, atacou: “Nos envergonha a gestão que o Ministério da Saúde vem realizando em relação a esse quadro tenebroso da Covid-19 no Brasil”. O colega Vital do Rêgo, que é paraibano e já foi senador e deputado federal, também reclamou: “É um acumulado de problemas enquanto tem 4 mil mortos por dia na rua”. O relator, ministro Benjamin Zymler, detalhou parecer técnico sobre as ações do ministério da Saúde para enfrentar a disseminação da covid-19 no Brasil. Em cada item, as avaliações foram extremamente negativas, com sugestão de abertura de investigações em várias frentes. A análise, certamente, servirá de base aos opositores do governo na CPI da Covid.
A começar por uma das iniciativas teoricamente mais simples: o plano de comunicação para orientar a população sobre formas de prevenção de transmissão do coronavírus. “Principalmente porque grande parte da população não compreendeu plenamente a necessidade de adoção de medidas preventivas como o respeito a regras de distanciamento”, destacou o relator. A conclusão de Zymler é que essas ações de comunicação foram totalmente insuficientes. Uma das observações dos técnicos foi que, em 2021, o governo federal gastou R$ 88 milhões em peças para exaltar o agronegócio e apenas R$ 63 milhões com campanhas relativas à pandemia. Zymler alertou que isso pode caracterizar omissão da pasta e possível desvio de finalidade na aplicação dos recursos, sugerindo, então, uma investigação. Em observação ainda mais grave, o relator criticou a alteração do plano de contingência do Ministério da Saúde, que excluiu a responsabilidade do governo federal sobre gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes.
A discussão no TCU deve voltar à pauta em 30 dias. Para a opinião pública, o que vai se desenhando é que, apesar da arrogância de Bolsonaro, que tenta mostrar que tem fôlego de sete gatos, a sua situação vai se complicando à medida que o roteiro da CPI avança. E isto sinaliza que a qualquer momento, no curso das investigações, pode entrar mesmo no radar o impeachment do presidente da República. O clima é de vaca desconhecer bezerro no Palácio do Planalto.