Nonato Guedes
Os analistas e líderes políticos avaliam que a decisão do Supremo Tribunal Federal de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no âmbito da Operação Lava Jato, é a senha para recolocá-lo no jogo político-eleitoral, a partir da devolução dos direitos políticos do petista. Uma matéria do jornal “O Estado de S. Paulo”, assinada por Cássia Miranda, informa que a decisão reconfigura o tabuleiro político e tem impacto direto na eleição de 2022, abrindo espaço para Lula assumir o figurino de anti-Bolsonaro. A decisão foi tomada por 8 a 3 na Corte e soou como um alívio para Lula, uma reparação moral por ter cumprido 580 dias de prisão na Polícia Federal em Curitiba.
A perspectiva cogitada é a de antecipação da campanha presidencial, com chances de reedição da polarização de 2018, entre petismo e bolsonaro, com a diferença de que, desta feita, o “capitão” não enfrentará mais um preposto do líder petista, como se deu com o candidato Fernando Haddad, mas o próprio ex-presidente, ostentando chances de infligir uma derrota ao atual mandatário. O duelo entre Lula e Bolsonaro produz, ainda, uma pressão sobre o chamado centro político, que se articula na tentativa de definir um nome como representante da chamada terceira via. A retomada dos direitos políticos do ex-presidente da República também tem potencial de estreitar a raia para a corrida eleitoral, diminuindo o número de candidatos na campanha presidencial do ano vindouro.
A reportagem analisa que grande parte da pressão que a potencial candidatura de Lula em 2022 joga sobre os demais nomes da disputa vem do fato de que, a um ano e meio do pleito, aparece entre os líderes das pesquisas. Ou seja, o peso da presença do ex-presidente na próxima eleição pode ser medido em números. Pesquisa da XP/Ipespe, divulgada pelo “Estadão” em abril, mostrou Lula e Bolsonaro tecnicamente empatados. No entanto, a simulação feita demonstra que o petista desponta numericamente à frente do atual presidente, com 29% das intenções de voto, ante 28% de Bolsonaro. Em levantamento anterior realizado pelo instituto, Lula contava com 25% das intenções de voto, contra 27% de Bolsonaro. Ainda de acordo com a pesquisa, nomes como Sérgio Moro (sem partido) e Ciro Gomes (PDT) contam cada um com 9% das intenções dos votos.
A pesquisadora Carolina Botêlho, doutora em Ciência Política, afirma que a vantagem de Lula apontada nas pesquisas pode ser explicada pela rejeição ao governo de Bolsonaro e pelo afastamento temporal dos erros cometidos nos governos do petista. “Passa pela memória das coisas ruins do governo Lula serem enterradas pelas decisões do STF sobre a Lava-Jato e porque a população não tem Lula como presidente há muitos anos. Em contraponto, tem Bolsonaro sendo omisso diante da pandemia e o aumento do desemprego, por exemplo”. Esses últimos fatores, não por acaso, têm contribuído para um crescimento vegetativo da desaprovação ao governo de Bolsonaro, o que se complicou no enfrentamento à pandemia do coronavírus, em parte devido à postura negacionista assumida pelo próprio presidente da República.
O professor José Álvaro Moisés, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) pontua: “Bolsonaro e Lula aparecem como polos contrapostos em luta pelo poder. A novidade, agora, é que em face da tragédia humanitária associda com o desempenho de Bolsonaro diante do coronavírus, a métrica da polarização se volta para a inevitável comparação de virtudes e vícios dos dois governos e, nesse sentido, apesar dos processos de Lula, o cenário de mais de 350 mil vítimas da covid-19 não deixa Bolsonaro em posição confortável”, opina. José Álvaro Moisés conclui, naturalmente, que, assim como foi no pleito de 2018, a próxima eleição presidencial deve girar em torno dos dois polos – Lula e Bolsonaro. A correnteza da polarização tragará, então, candidatos de centro que buscam se viabilizar, sem avançar no crescimento de intenções de voto.
O vácuo de liderança deixado por Bolsonaro na condução da pandemia é justamente o espaço que Lula busca ocupar neste momento. Em entrevista na quinta-feira, o petista afirmou que não quer discutir as eleições em 2021. Segundo disse, o momento é de discutir vacina para o povo brasileiro, auxílio emergencial para os milhões de brasileiros que estão passando fome, política de crédito para os pequenos e médios empresários e política de investimento em setores públicos para reativar a economia brasileira. Esse discurso contrasta frontlmente com as posições de Bolsonaro na condução da pandemia. Para o cientista da UERJ Fernando Guarnieri, Lula acerta ao apostar em um discurso “neutro”, mas é preciso mais do que isso para tentar fugir da polarização em busca de uma frente ampla.
Em termos concretos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aposta todas as fichas numa ressurreição política em alto estilo, que anule, inclusive, o estigma que o associava a escândalos como o do mensalão e o do petrolão. Por intuição política e habilidade indiscutível, o ex-mandatário sente que Bolsonaro está perdido, vivendo um inferno astral doloroso e de consequências imprevisíveis, e que o cenário não projeta líderes emergentes capazes de empalmar a bandeira do anti-bolsonarismo e empolgar parcelas expressivas da sociedade brasileira. É nesse vácuo que Lula se movimenta, já programando viagens por todo o país, enquanto procura costurar uma aliança a mais ampla possível, atraindo, inclusive, representantes do centro que então se insinuavam como prováveis alternativas a um segundo mandato de Bolsonaro em 2022. Se não houver reviravoltas jurídicas que o afetem, Lula estará com o caminho pavimentado para a grande cartada: voltar ao Palácio do Planalto, do qual foi inquilino por dois mandatos.