Nonato Guedes
Solto na buraqueira para fazer pré-campanha à eleição para presidente da República em 2022, o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva tenta viabilizar uma reaproximação do PT com o PSB, o que gerou especulações sobre a possível participação de um socialista na chapa como vice. O nome do ex-governador de São Paulo, Márcio França, ganhou impulso para o posto, bem como o do atual governador de Pernambuco, Paulo Câmara. Em relação a este, há versões de que pouco somaria à candidatura do ex-presidente, que já tem muita força no Nordeste. Interlocutores de Lula acham que ele próprio fala diretamente ao Nordeste, ao relembrar projetos como o da transposição das águas do rio São Francisco.
Os debates em torno de nomes para vice de Lula encontram resistência, conforme a mídia sulista, por um detalhe: o ex-presidente menciona, com frequência, em tom de saudosismo, a chapa que formou com o empresário José Alencar, seu vice nas duas gestões presidenciais. José Alencar entrou na chapa como representante do empresariado e, também, de Minas Gerais, que é uma espécie de fiel da balança na disputa presidencial em alguns pleitos. O ideal para o líder petista seria repetir a “fórmula José Alencar” em 2022. Um filho de Alencar, o empresário Josué Gomes da Silva, que disputa a presidência da Fiesp – termômetro da elite econômica de São Paulo – é invariavelmente mencionado como ideal para encarnar o figurino imaginado por Lula na vice, mas não há garantia de que possa ser indicado. Emissários de Lula dizem que “ele não é o pai”, afastando, assim, supostas comparações.
O pragmatismo com que o ex-presidente se move na cena política brasileira sinaliza que ele atua em inúmeras frentes para reforçar a pretendida candidatura de volta ao Palácio do Planalto, o que indica que a escolha de vice não é necessariamente a prioridade maior. De imediato, Lula está procurando reconstruir pontes – primeiro, na esquerda, recompondo-se com o PSB, após atritos entre petistas e socialistas em algumas localidades nas recentes eleições municipais de prefeitos. Nesse sentido é que se enquadram as reuniões virtuais mantidas por Lula com o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, e com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara. Outras legendas de esquerda estão sendo assediadas, mas Lula avança no diálogo com figuras conservadoras, tendo já procurado velhos caciques do MDB, nomes que foram derrotados nas últimas eleições ou que, mesmo eleitos, perderam espaço com a ascensão bolsonarista.
Já conversou com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), o ex-presidente José Sarney e o ex-presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), tendo trocado impressões, igualmente, com o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo. Os rumores são de que Lula não espera, necessariamente, contar com apoios vindos desses agrupamentos, mas, sim, com a perspectiva de neutralizá-los na disputa presidencial, evitando que migrem para o esquema bolsonarista e se atrelem, desde já, à candidatura do atual mandatário à reeleição no próximo ano. É uma estratégia de acautelamento do ex-presidente quanto ao bloco de possíveis adversários no cenário que deverá voltar a palmilhar. Em meio a essa movimentação de Lula vão se desenhando algumas pretensões regionais. Em São Paulo, Fernando Haddad, que foi candidato a presidente em 2018 porque Lula estava impedido, cogita disputar o governo estadual, batendo de frente com tucanos e bolsonaristas.
A ordem, dentro das hostes petistas, é, naturalmente, a de descaracterizar a movimentação do ex-presidente Lula da Silva como símbolo de pré-campanha. O presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloízio Mercadante, que foi ministro de um dos governos do PT, minimizou os contatos do ex-presidente, declarando à revista “Veja”: – Lula tem feito reuniões internas e com outros políticos, analisando cenários, sobretudo nos Estados, apenas isso. Sabe-se, porém, conforme a revista “Veja”, que a estratégia lulista passa, fora da arena política, pela reconstrução de pontes desativadas no Judiciário. Enfim, há acenos a militares e ensaios de aproximação com segmentos evangélicos. Neste último terreno, a ideia é minar espaços conquistados pelo presidente Jair Bolsonaro desde a campanha eleitoral de 2018, uma empreitada que é tida como “incógnita” até mesmo por interlocutores dedicados do ex-presidente da República.
Não menos espinhoso, ou desafiador, é o capítulo da aproximação de Lula e do PT com chefes militares ou com lideranças de expressão nesse segmento. Há uma suspeita de que o canal com os fardados ficou inviabilizado principalmente durante o governo de Dilma Rousseff devido à instalação da chamada Comissão da Verdade, colegiado que se formou a pretexto de revisar crimes cometidos contra a ditadura. A própria Dilma foi uma das vítimas do regime militar que perdurou por 21 anos no país, de 1964 a 1985, sobre o qual o presidente Jair Bolsonaro faz notória apologia, com destaque especial para atos de exceção como o famigerado Ato Institucional Número Cinco. O ex-ministro da Defesa, Jaques Wagner (BA), que teoricamente goza de bom trânsito nas Forças Armadas, estaria escalado para aparar diferenças que ainda existem entre os militares.
O fato é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive, atualmente, um dos momentos mais promissores da sua trajetória na vida pública, desde que ganhou a liberdade após permanecer 580 dias recolhido à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, no Paraná. A soltura de Lula e a anulação, pelo Supremo Tribunal Federal, de condenações que lhe haviam sido impostas, deixaram o ex-presidente em estado de graças. Sobretudo porque esses fatos ocorreram enquanto, em situação inversa, o presidente Jair Bolsonaro e seu governo mergulharam em inferno astral, com o agravamento da pandemia do novo coronavírus e a perspectiva de instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado para apurar omissões do Planalto no enfrentamento à crise sanitária. Se ainda não começou efetivamente a sangrar, o governo de Bolsonaro já experimenta sinais evidentes de desgaste perante a opinião pública e a hipótese de que o impeachment entre no radar apavora o mandatário. Lula não quer perder tempo e avança na estratégia de ocupação de espaços para chegar forte a um ano eleitoral decisivo para seu futuro político.