Nonato Guedes
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, admitiu que o Conselho Federal da instituição está dividido sobre um eventual pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. A OAB foi protagonista do movimento de afastamento do ex-presidente Fernando Collor de Mello e apoiador do processo contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Um relatório concluído na semana passada pela comissão especial de juristas da OAB, grupo liderado pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, recomendou à entidade que peça à Câmara o impedimento de Bolsonaro com base em uma série de crimes gravíssimos atribuídos a ele. “O assunto, porém, causa controvérsia no Conselho Federal e está longe de ser definido”, revela o site “Congresso em Foco”.
Há conselheiros e ex-presidentes contrários à apresentação de qualquer pedido de afastamento do atual presidente, seja por compartilharem de suas visões, seja por entenderem que ele não cometeu crime, seja por considerarem o momento turbulento demais por causa da pandemia. Outros defendem que o relatório seja examinado imediatamente, por já reunir elementos técnicos, e encaminhado para que a Câmara decida o que fazer. E há um grupo que entende que o pedido de abertura do processo, a despeito de reunir as condições técnicas, precisa ser apresentado quando estiverem dadas as condições políticas no Congresso. Embora apoie o parecer dos juristas, o atual presidente da OAB nacional, Felipe Santa Cruz, já tornou público que pretende aguardar os desdobramentos dos próximos fatos, como as investigações da CPI do Senado e do Tribunal de Contas da União, para submetê-lo ao pleno da Ordem e aos presidentes das seccionais. Os advogados que presidiram a OAB até 1994 têm direito a voto na decisão. Já os que a comandaram de lá para cá têm apenas voz nas discussões. Todos, porém, são conselheiros honorários e, como tais, exercem grande influência sobre os demais integrantes do colegiado.
Santa Cruz ressaltou ao “Congresso em Foco” que dificilmente o texto será apreciado pelo pleno do Conselho nos próximos 90 dias. Para ele, o debate precisa ser amadurecido e acompanhado de “timing político”. Frisou: “Essa discussão não é imediata e se dará a médio prazo. Vai continuar o trâmite, vamos ouvir personagens, respeitando o tempo político e a consolidação do aspecto técnico”. Segundo ele, nos próximos meses o humor do Congresso Nacional em relação ao governo pode mudar conforme o andamento das investigações em curso contra o presidente. O apoio do Centrão e a falta de mobilização nas ruas, por conta da pandemia, dificultam o cenário atualmente, na avaliação dele. “A CPI pode ajudar com essa consolidação. Hoje, veio a público que não há orçamento para combate à pandemia. É um fator que mostra a total incapacidade do governo federal. O TCU tem mostrado isso. É o governo mais incompetente da história da República”, considera o presidente do Conselho Federal da OAB.
O relatório da comissão especial de juristas da OAB, elaborado por um comitê de notáveis, é contundente: atribui a Bolsonaro os crimes de homicídio e lesão corporal por omissão e crimes de responsabilidade na esfera nacional, por causa do enfrentamento da pandemia, e de crime contra a humanidade, no plano internacional. Acusações nunca reunidas em um pedido de impeachment contra um presidente da República no Brasil. Um trecho do documento assinala: “O presidente não somente descumpriu o seu dever de zelar pela saúde pública, como também tentou sistematicamente impedir que medidas adequadas ao combate da covid-19 fossem tomadas. Há vários exemplos de tentativa de interrupção de cursos causais salvadores empreendidos por outras autoridades”. Felipe Santa Cruz entende que a CPI da Covid no Senado pode ajudar na consolidação de informações sobre a radiografia da epidemia e o comportamento das autoridades. Presidente do Conselho Federal entre 2007 e 2010, Roberto Busato lembra que pautou na sua gestão um requerimento do impeachment do então presidente Lula por fatos relacionados à sua conduta ética e que o pedido foi rejeitado internamente. Para ele, agora, não resta dúvida de que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, principalmente na condução da pandemia.