Nonato Guedes
Pouco menos de um mês depois de lançarem um manifesto em defesa da democracia, seis “presidenciáveis” signatários da carta ainda dialogam em um grupo de WhatsApp chamado “Polo Democrático” e buscam encontrar uma pauta comum, segundo revela o jornal “O Estado de S. Paulo”. O objetivo principal, mesmo, desses “presidenciáveis”, é o de barrar a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que parece encaminhada para o cenário das eleições do próximo ano. Mas a dificuldade de anular a polarização é tão grande que a união em prol de uma “terceira via” parece improvável ou, mais do que isso, inviável.
As divergências são visíveis entre os expoentes do tal “Polo Democrático” e um exemplo concreto foi a proposta do governador de São Paulo, João Doria (PSDB) para a elaboração de uma nova Carta à Nação para ser divulgada na quarta-feira, 21, Dia da Inconfidência. A ideia, entretanto, não prosperou porque não é consenso a sugestão quanto a novas manifestações conjuntas. Além de Doria, fazem parte do grupo o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), o apresentador Luciano Huck (sem partido), o ex-ministro Sérgio Moro (também sem partido), o ex-ministro Ciro Gomes, do PDT, e João Amoêdo, que foi candidato do Novo à presidência da República em 2018. Amoêdo, inclusive, foi cético, ou realista, ao participar de uma live com o MBL e o Vem Pra Rua esta semana.
– A soma dos potenciais eleitorais de cada um não vai nos levar a muita coisa. Acho que esse grupo pode andar se ele resolver entender que deve ser um time. Um time para um programa de governo em 2023, para a seleção de uma equipe. É um time que ajudará a divulgar essas ideias, fazer campanha e ter alguém que viabilize e possa, sim, ser o candidato – analisou Amoêdo. Até então, o grande elemento em comum entre figuras mais ou menos conhecidas a nível nacional era era a crítica ao presidente Jair Bolsonaro, sobretudo à condução das medidas indispensáveis ao enfrentamento da pandemia de Covid-19. Bolsonaro continua sendo o alvo principal, até por estar na linha de tiro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que ele se empenha, a todo custo, em esvaziar, antes mesmo que venha a ser instalada. Mas, com a volta de Lula à cena política, a busca pela terceira via se complicou porque o petista retornou rivalizando justamente com Bolsonaro.
A respeito disso, especialistas consideram que a disputa entre Bolsonaro e Lula é como se fosse um jogo combinado, com cartas marcadas, ou, então, talhado sob medida para que ambos sejam protagonistas, não abrindo espaço para líderes intermediários. Em cima de uma pesquisa da XP/Ipespe sobre intenções de voto para a eleição presidencial de 2022, a revista “Veja” extraiu uma conclusão interessante, que não pode passar incólume: não há um nome que, sozinho, tenha popularidade e capacidade de aglutinação suficientes para enfrentar o petismo e o bolsonarismo. Ou seja: em tese, há uma avenida enorme a ser explorada para além das propostas mais radicais que Bolsonaro e Lula encarnam, e uma grande parte da população, cansada desse tipo de discurso, parece mesmo disposta a buscar uma alternativa para repetir 2018. Mas falta o nome que agregue expectativas e aglutine aliados ou eleitores. Com isso, somente uma costura de dificílima execução teria força para unir os concorrentes dessa faixa e colocar de pé uma alternativa robusta.
O que se diz nos meios políticos, com base em projeções palpáveis, é que a disputa entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva é um confronto do qual ambos se retroalimentam, deixando o ar ainda mais rarefeito para a construção da sonhada terceira via. Para Lula e seus aliados mais ortodoxos, a candidatura tem o sabor adicional de “revanche histórica”, já que em 2018 o líder petista ficou impossibilitado legalmente de concorrer, tendo que lançar um preposto de sua confiança, o ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que ainda assim forjou o segundo turno contra Bolsonaro, na condição de beneficiário da polarização entre direita versus esquerda ou, como queiram, entre o petismo contra o bolsonarismo. Para 2022, o prognóstico é o de que a polarização ganha contornos mais emocionantes porque terá de volta Lula, cuja elegibilidade foi garantida pelo Supremo Tribunal Federal, motivando-o a assumir pré-candidatura independente de diálogo com outras forças anti-Bolsonaro.
Líderes do PSDB, do DEM e do PDT entrevistados pelo “Estadão” concordaram em que é remota a possibilidade de uma aliança do “Polo Democrático” no primeiro turno da eleição de 2022, mas avaliam que o movimento pode ajudar a quebrar uma eventual polarização entre Bolsonaro e Lula. Para Amoêdo, a construção de uma agenda comum vai exigir do grupo desprendimento. Ele vai mais além: opina que, de qualquer jeito, deverá cristalizar-se um cenário de disputa em segundo turno entre Bolsonaro e Lula. Não é a primeira tentativa que se faz no Brasil para construção de “terceira via pública”. O mecanismo já foi acionado em eleições presidenciais recentes mas acabou valendo mesmo o chamado “voto útil” em segundo turno. Salvo perspectivas de reviravolta, que não estão no radar sucessório até agora, o embate decisivo de 2022 já está definido: será entre Bolsonaro e Lula. É o grande tira-teima que, no fundo, a Nação almeja.