Alexsandra Tavares
lekajp@hotmail.com
Jornalista “de batente”, porque não estudou na universidade, mas com um currículo respeitado, que o credencia a atuar em importantes empresas de Comunicação Social do país. O paraibano natural de Cajazeiras, Nonato Guedes, completou no mês de março 50 anos de profissão, quase todos dedicados à política. O primeiro emprego com carteira assinada foi aos 13 anos, na Difusora Rádio Cajazeiras, como auxiliar de recepcionista. A partir daí, ele não se afastou mais dos veículos de imprensa, pelo contrário, ficou mais íntimo, aprendeu na prática muitos dos ensinamentos que só viriam a ser transmitidos aos paraibanos bem depois, no curso de graduação em Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba, que surgiu em 1977, seis anos após Nonato ser apresentado ao universo midiático. Na bagagem, muitas histórias da época da Ditadura Militar, da instauração da Constituição de 1988 e lições aprendidas nos percalços e conquistas de sua trajetória. Confira a entrevista que Nonato Guedes concedeu ao Jornal A União e conheça um pouco mais da vida deste sertanejo, filho do pequeno comerciante Joaquim Nonato de Aquino (já falecido) e da doméstica Josefa Guedes de Aquino.
Em quais veículos de imprensa você trabalhou e que funções desempenhou?
A Carteira de Trabalho do Menor, que guardo em meu arquivo, registra minha admissão pela Difusora Rádio Cajazeiras, como auxiliar de recepcionista, em 10 de março de 1971. Fui admitido pela Rádio Alto Piranhas, também de Cajazeiras, em 1972, como redator auxiliar. Em 1978, cheguei a João Pessoa para trabalhar na Rádio Correio e no jornal Correio, que funcionavam na Rua Barão do Triunfo. Em pouco tempo, passei a assinar a coluna política de João Manoel de Carvalho como redator-substituto e mais tarde atuei como colunista político em jornais e revistas da Paraíba. Mas minha atividade principal era a de repórter-redator, incumbido pelas chefias de produzir entrevistas com figuras de repercussão. Nesse ínterim fui chamado para ser correspondente do jornal O Estado de S. Paulo na Paraíba, tendo assinado matérias de grande interesse jornalístico. Trabalhei no Correio da Paraíba, O Norte, A União, O Momento, Rádios Correio, Tabajara e Arapuan, TV Cabo Branco (locutor-entrevistador), revistas A Carta e Bastidores, sites RepórterPB, do mano Linaldo Guedes, e, ainda atualmente, Os Guedes, pilotado pelo mano Lenilson. Fui editor em A União e Correio da Paraíba e superintendente de A União. Na Universidade Federal da Paraíba, fui redator da Reitoria, com passagens pela Assessoria de Comunicação e pela Editora Universitária. Fui vice- -presidente e presidente da
Associação Paraibana de Imprensa.
Você vem de uma família pobre do Sertão paraibano. Seu pai tinha um pequeno comércio e sua mãe era doméstica. Como ocorreu a relação do menino Nonato com os veículos de imprensa?
A escolha pelo jornalismo foi uma vocação. Eu ajudava meu pai, na mercearia, num bairro pobre de Cajazeiras, e quando não havia clientes, botava para funcionar uma engenhoca artesanal que servia como microfone, em que eu lia matérias e manchetes do Jornal Correio da Paraíba, que meu pai comprava duas vezes por semana. Procurava “imitar” locutores das emissoras locais, que eram meus ídolos, e com os quais vim a trabalhar pouco tempo depois. Com a venda da mercearia por papai, fiquei focado apenas nos estudos e foi ele que me orientou a procurar trabalho, “de preferência em rádio, que é o que você gosta”. De office-boy a redator foi um passo e, na sequência, locutor-entrevistador e locutor-noticiarista.
Você foi um espelho para seus dois irmãos?
Dois outros irmãos meus são jornalistas, formados pela Universidade Federal da Paraíba: Lenilson Guedes e Linaldo Guedes – este, também, escritor e editor literário. Ambos seguiram minha vocação e Lenilson mantém, em João Pessoa, o site “Os Guedes”, com enfoque no noticiário político.
Quando começou a cobrir política?
Em junho de 1978, quando cheguei a João Pessoa, procedente de Cajazeiras. Era repórter de política e atuei também como colunista, incursionando por matérias culturais e temas de interesse geral.
Então, a predileção por política existiu desde cedo?
Sim. Desde minha militância em Cajazeiras, onde cobri Executivo e Legislativo e entrevistei figuras de destaque da política estadual e nacional. Cheguei a assessorar políticos, inclusive em Brasília, onde residi por um tempo, mas nunca fui filiado a nenhum partido, nem disputei qualquer mandato eletivo. Sempre fui um espectador e analista dos acontecimentos. Atuei politicamente de forma profissional.
Além de desempenhar várias funções no jornalismo, você também é escritor?
Sou coautor de livros como “O Jogo da Verdade – Revolução de 64 – 30 Anos Depois”, “Política & Poder na Paraíba”, e autor do livro “A Fala do Poder”.
Nesses 50 anos de jornalismo, muitos deles dedicados à política, qual a principal lição que fica na relação entre poder e bem-estar social?
A de que o poder, por mais que tenha avançado em políticas públicas, ainda está muito distante da realidade vivida pela sociedade. O problema é que há uma dívida social muito grande, acumulada por diferentes governos, e, em muitos casos, as prioridades definidas pelo poder não são as prioridades vivenciadas ou desejadas pela população. Esse divórcio na relação poder-sociedade só será superado se houver sensibilidade, que se torne um compromisso, por parte das camadas dirigentes.
Você acompanhou a cobertura política na época da Ditadura Militar. Que momentos marcantes você enfrentou nessa época?
Fui o único repórter a divulgar, no Brasil, na década de 70, na Rádio Alto Piranhas, de Cajazeiras, a prisão e tortura do ativista político de esquerda Edval Nunes da Silva, “Cajá”, paraibano que morava no Recife e era ligado a movimentos pastorais da Arquidiocese, no período de Dom Helder Câmara. Colhi a notícia no rádio-escuta da BBC de Londres (transmissão em português). A Rádio Alto Piranhas, que pertencia à Diocese de Cajazeiras, ficou fora do ar por 48 horas e fui advertido pela direção para não reincidir na divulgação de matérias “censuradas”.
Você teve matérias barradas pelo regime ditatorial?
Tive, aí, sim, matérias censuradas, mas não cheguei a ser preso ou molestado por agentes da repressão – exceto um empurrão de um agente de segurança quando me aproximei do presidente Figueiredo, durante visita sua a Alagamar, na Paraíba. Outro fato marcante: fiz, na Estância Termal de Brejo das Freiras, a última entrevista com o deputado Alencar Furtado, do grupo autêntico do MDB, antes da cassação do seu mandato. A entrevista foi ao ar no período da tarde na Rádio Alto Piranhas e, à noite, Alencar Furtado estava cassado. Foi mera coincidência, claro. A cassação dele se devera a pronunciamentos contundentes contra o regime na tribuna da Câmara dos Deputados.
Desde o momento da Ditadura Militar até o governo Bolsonaro, que fatos impactantes, que mudaram os rumos do país, você citaria?
A concessão da anistia, com o retorno dos exilados, a volta das eleições diretas e a Assembleia Nacional Constituinte, que legou aos brasileiros a Constituição–Cidadã. O grande impacto, na verdade, pode ser resumido num fato: a consciência democrática no Brasil está cristalizada junto à maioria da sociedade. É muito forte, hoje, o sentimento de que ‘ditadura, nunca mais’. Não acredito que haja ambiente para o retorno a um regime antidemocrático. Manifestações nesse sentido podem ocorrer ou sempre ocorrerão, mas partirão de grupos minoritários. A sociedade está vacinada contra ditaduras, contra o autoritarismo.
Como você analisa o atual momento político nacional, com todas as turbulências políticas, em meio a uma pandemia?
Analiso com sincero pesar o registro de turbulências políticas em plena pandemia, na maior crise sanitária de todos os tempos. Não é apenas um desserviço, mas uma profunda falta de empatia para com o sofrimento de milhares de pessoas. É preciso ressaltar, porém, que as turbulências são alimentadas por expoentes do governo Bolsonaro e por segmentos radicais que querem destruir a democracia, porque nunca tiveram compromisso com ela. Tais segmentos e expoentes precisam ser combatidos sem concessões pela porção consciente da sociedade brasileira.
Como avalia a postura do eleitor? Mudou muito nas últimas décadas? Continuaram cometendo as mesmas falhas de outrora na hora de escolher seus governantes?
Lamentavelmente ainda é falha a postura do eleitor, do ponto de vista de conscientização, para a escolha correta de representantes políticos. O filtro por parte do eleitorado deixa muito a desejar, e o resultado é que isto retarda o aprimoramento completo do sistema institucional e político do Brasil. Mas a pedagogia da conscientização é, inexoravelmente, lenta, gradual, não ocorre num passe de mágica. Entre perdas e ganhos, dá para contabilizar êxitos formidáveis no campo da cidadania e da conscientização política.
Na sua carreira, você vivenciou algumas transições como a de repórter e editor até analista político. O que é necessário ao profissional para vivenciar essas transições e não ficar estagnado?
É exatamente não ficar estagnado. O profissional de imprensa que se preza tem que ter a capacidade
de estar se reinventando a cada dia e, ao mesmo tempo, procurando aperfeiçoar sua formação cultural através de livros-chaves e do intercâmbio com pessoas que podem acrescentar, no contexto da pluralidade de ideias e informações. Não é dado ao jornalista o direito de se acomodar. Sempre tive a convicção de que o bom jornalista é essencialmente o repórter. E o repórter é aquele que nunca está satisfeito com informações telegráficas. O bom repórter é aquele que sabe ler nas entrelinhas. Este é o segredo.
Para o jornalista novato, que deseja se aperfeiçoar na cobertura política, qual a mensagem que você deixa?
Que ele nunca tenha vergonha ou acanhamento de perguntar. Só pela pergunta, pela curiosidade, é que se chega ao conhecimento. Este deveria ser o mantra de todo jornalista comprometido com seu mister.