Nonato Guedes
A jornalista paraibana Rachel Sheherazade, que foi demitida da apresentação do “SBT Brasil” e atualmente move uma milionária ação judicial contra a emissora de Sílvio Santos, pedindo indenização de cerca de R$ 20 milhões, tornou-se uma figura polêmica na mídia nacional e no cenário político, tendo ido de um extremo a outro. Ela combateu o Partido dos Trabalhadores e os principais líderes da legenda e, ao ser demitida do SBT, acusou bolsonaristas de terem influenciado para sua saída, atacando, principalmente, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, um dos anunciantes do canal do dono do baú. Também foi alvo sistemático de críticas de segmentos de esquerda, que sempre a apontaram como “direitista”. Sheherazade atuou por uma década no telejornal do SBT.
Em sua coluna no UOL, Maurício Stycer informa que a ação trabalhista movida por Rachel contra o SBT está trazendo a público situações constrangedoras para as principais figuras da emissora, como o dono do canal, Sílvio Santos, e o principal executivo José Roberto Maciel. Por exemplo: o jornalista Gabriel de Oliveira, do site TV Pop, publicou a íntegra de uma mensagem que Maciel enviou a Sheherazade, em 17 de outubro de 2014, um dia depois do debate no SBT entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) durante o segundo turno da eleição presidencial. Sheherazade havia se afastado do comando do “SBT Brasil” para fazer uma cirurgia, fato mencionado pelo CEO do canal no início da mensagem. “Espero que sua intervenção cirúrgica tenha sido um sucesso e que esteja se recuperando bem”. Na época, vários jornalistas afirmaram que ela teria sido afastada por motivos políticos.
O motivo da carta de Maciel são as mensagens de cunho político-partidário que Sheherazade publicou no Twitter, com ofensas a Dilma. Escreve Maciel: “Pontuei a você, como profissional desta área, a importância de seguirmos o princípio do Apartidarismo, que diz ‘nosso compromisso é com a informação correta e com o público; ele quer fatos documentados e não proselitismo; quer informação e não ideologização da notícia”. Cita, então, postagens feitas por Sheherazade após o debate entre Dilma e Aécio no SBT. Ao final do encontro, a então presidente teve uma queda de pressão enquanto dava entrevista. A âncora do SBT Brasil tripudiou: “kkkkkkkkkkk? chama o Mais Médicos pra ela?. pra médico cubano”. Também escreveu: “deu TILT no cérebro da Dilma! chama o SAMUUUUUUUU”.
O CEO do SBT escreveu a Rachel: “Repito: você pode ter suas convicções, ideologias, partidos e candidatos, mas você tem um sobrenome: do SBT!!! Não é esse o profissionalismo que esperamos de ti”. Maciel cita o constrangimento que tais mensagens causam internamente: “Mas parece que você não compreende assim, pelos textos que tem postado nas redes sociais e que eu, como profissional (independentemente de minha função hoje), sendo muito sincero, me envergonham e a muitos de seus colegas também”. E completa: “Não porque você tenha simpatia por esse ou aquele candidato, acredite neste ou naquele partido ou proposta de governo, mas pela total falta de bom senso em considerar que é a âncora de um Jornal de Rede, na segunda maior emissora do país, que merece respeito, mas que, para isso, precisa se dar ao respeito”. Tanto a mensagem exasperada de Maciel, escrita em 2014, quanto a postura ofensiva de Silvio diante de Sheherazade em 2017, indicam que o SBT não estava satisfeito com o trabalho da jornalista. Por decisão do dono, possivelmente, nada foi feito até o segundo semestre de 2020, quando o contrato dela não foi mais renovado.
Em setembro de 2018, através de mensagem no Twitter, Sheherazade diz que não apoia a eleição de Bolsonaro para a presidência. “Sou mulher. Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e minha avó. Não. Não somos criminosas. Somos heroínas! #elenão”. A postagem foi uma resposta a uma declaração do general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, de que famílias pobres “sem pai e avô, mas com mãe e avó”, são “fábricas de desajustados” que fornecem mão de obra ao narcotráfico”. Em 21 de junho de 2019, comentando uma notícia sobre demissões no departamento de jornalismo do SBT, o empresário Luciano Hang, um dos mais entusiasmados apoiadores do presidente Bolsonaro, escreveu: “O jornalismo da grande mídia está todo contaminado com ideologias comunistas que destroem o nosso Brasil. Parabéns, Sílvio Santos. Somos fruto do que plantamos no passado. O povo quer mudanças. Ainda falta mais gente para você demetir (sic). Raquel (sic) é uma delas”. Em 17 de agosto de 2019, Rachel é afastada da apresentação do SBT Brasil às sextas-feiras. No dia 27 de fevereiro de 2020, em mensagem no Twitter, Sheherazade avisa: “Campanhas difamatórias, ataques em massa, ameaças de morte, ameaças contra meus filhos têm sido uma rotina desde que ousei criticar o então candidato Jair Bolsonaro, inda no episódio da greve dos caminhoneiros em 2018”. No dia 08 de setembro, a âncora do SBT Brasil é avisada pela emissora que seu contrato, que venceria em 31 de outubro, não seria renovado. No dia 24.09.20, sem saber, Sheherazade apresenta o “SBT Brasil” pela última vez.
Maurício Stycer, na sua coluna no UOL, qualifica como “inusitada” a trajetória de Sheherazade no SBT, citando dois pontos altos: a contratação, quando ela trabalhava na TV Tambaú em João Pessoa, e a ação judicial que decidiu impetrar ao ser demitida por Sílvio Santos.Em 2011, na TV Tambaú, Rachel fez um comentário sobre o Carnaval de João Pessoa durante o “Tambaú Notícias”, que gerou repercussão nacional e atraiu a atenção de Sílvio Santos. Ela disse que o carnaval não era uma festa popular e que tinha virado negócio dos ricos. “Que o digam os camarotes vips, as festas privadas e os abadás caríssimos”. Foi a partir da repercussão do comentário que Sílvio Santos decidiu contratá-la. Rachel estreou no comando do SBT Brasil, o principal telejornal da emissora, no dia trinta de maio de 2011, ao lado de Joseval Peixoto. Mas seus comentários políticos sobre temas nacionais causaram dor de cabeça a Silvio Santos, contrariando interesses econômicos do SBT.
Em abril de 2017, durante a gravação do Troféu Imprensa, Sheherazade reclamou com Sílvio Santos sobre a proibição de opinar no telejornal. “Quando você me chamou foi para dar minha opinião”. O dono da emissora respondeu: “Não, eu te chamei para você continuar com a sua beleza, com a sua voz. Foi para ler as notícias no teleprompter, não dar a sua opinião. Você foi contratada para ler notícias, não foi contratada para dar a sua opinião. Se você quiser fazer política, compra uma estação de televisão e vai fazer por sua conta”. A partir daí, a relação entre Rachel Sheherazade e o SBT foi se deteriorando, e a jornalista chegou mesmo a ser proibida de fazer comentários. Ela apelou, então, para as redes sociais e as queixas junto a Sílvio Santos continuaram. Autora do livro “O Brasil Tem Cura”, Sheherazade, na ação judicial que move em São Paulo contra o SBT acusa Sílvio Santos de censura e de “assédio moral”.