Nonato Guedes
Entre os anos 2005 e 2006, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva atormentou-se em Brasília com a CPI dos Bingos, presidida pelo então senador paraibano Efraim Moraes, ex-PFL, atual DEM, diante dos rumos perigosos que a Comissão Parlamentar de Inquérito ameaçava tomar e da impossibilidade de controle dos trabalhos pelo Palácio do Planalto. Num rompante que teve repercussão midiática, Lula chegou a classificar a comissão como “CPI do fim do mundo”. É o mesmo apelido que começa a ser dado à CPI da Covid, a ser instalada amanhã pelo Senado, para apurar omissões do governo do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia que assola o país. Secundariamente, a CPI poderá investigar erros de governadores e prefeitos no uso de verbas federais.
Apavorado, Bolsonaro cada vez mais se descontrola com a perspectiva de responsabilização do governo, pela CPI. Como lembra o colunista Ricardo Noblat, na “Veja”, faltam vacinas no país, faltam remédios para intubação de vítimas da doença em estado grave, na maioria dos municípios faltam UTIs e os doentes são transferidos para municípios que as tenham. Acontece que nesses lugares a rede de UTIs está perto do colapso e o número de mortes só faz crescer. Diz ainda Noblat: “Salvo os ideológicos, nenhum parlamentar, deputado ou senador pouco importa, se presta a defender o governo de graça numa CPI, qualquer governo. Bolsonaro já é refém do Centrão, do qual depende para aprovar projetos do governo e barrar pedidos de impeachment que possam abreviar seu mandato”. Eis o problema: a CPI pode acabar em pizza, mas pode dar uma guinada e produzir um pedido de impeachment de Bolsonaro. Esse é o pesadelo do capitão-presidente.
A oposição e os partidos denominados independentes têm maioria na CPI da Covid, devendo indicar 7 dos 11 titulares, o que é sinal de encrenca feia para Bolsonaro. Para completar, caberá ao MDB a relatoria da CPI, o cargo mais importante, que deve ser confiado a Renan Calheiros (AL), aliado do ex-presidente Lula da Silva. Diz Noblat: “Nada pode haver de pior para um governo do que a abertura de uma CPI justamente no momento em que ele está mais fraco e, por ora, sem perspectivas de se recuperar. Se a CPI decolar e investigar a fundo o que deve, haverá chuvas e trovoadas em Brasília, com um final imprevisível”. O Planalto teme, sobretudo, pela convocação para depor de ex-ministros da Saúde, principalmente o general da ativa Eduardo Pazuello, protegido de Bolsonaro. Pazuello saiu de lá insinuando que políticos do Centrão tentaram encher os bolsos nas negociações para a compra de vacinas. Teme-se em círculos oficiais em Brasília que o fogo cruzado contra Pazuello respingue nas Forças Armadas.
Afinal, Bolsonaro, na gestão Pazuello, praticamente militarizou o Ministério da Saúde. A Pasta não tinha um médico que pudesse apor sua digital em uma receita, mas estava coalhada de militares, alguns essencialmente burocratas, que agiam como emissários ou espiões de Bolsonaro para manter a situação do jeito que o presidente queria – ou seja, bagunçada, em proveito de interesses inconfessáveis do mandatário, que agora podem vir à tona no bojo de uma investigação séria. Noblat indaga, por exemplo: “Quanto foi gasto pelo Exército para produzir cloroquina receitada por Bolsonaro para tratamento precoce do vírus?”. E acrescenta: “O tratamento precoce para a doença jamais existiu. Mas, quem deu ordem ao Exército para tal? O general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, talvez saiba”. É por causa de interrogações como essas que o Planalto se mobiliza, a todo custo, para abafar a “CPI do fim do mundo”. De Bolsonaro e de muita gente, que deve estar envolvida por baixo do pano.
De acordo com informações de “O Globo”, o Palácio do Planalto estruturou um comitê de crise para enfrentar a CPI da Covid com mais celeridade que para prevenir a pandemia. Reuniões semanais de um grupo integrado dos três poderes foram anunciadas apenas em março de 2021, e de lá para cá o grupo tem servido de vitrine para que o atual ministro Marcelo Queiroga mostre acordos internacionais e outras providências firmadas no âmbito da vacinação. Mas a comissão palaciana foi, de certa forma, ofuscada pela Comissão Parlamentar de Inquérito que agita Brasília e o Brasil e põe o presidente Bolsonaro em estado de tensão permanente. Pode ser que não. Mas pode ser que “o fim do mundo” esteja começando para o presidente Jair Bolsonaro e sua trupe. A conferir!