Nonato Guedes
O jornalista Carlos José Garcia, 87 anos, faleceu, ontem, no Recife, vítima de Covid-19. Ele estava internado no Hospital Português. Era considerado um dos maiores nomes da história do jornalismo pernambucano e nordestino e inspirou toda uma geração de profissionais de imprensa por sua atuação, sobretudo durante a ditadura militar, período em que foi preso e torturado. Carlos Garcia comandou por muitos anos a sucursal do jornal “O Estado de São Paulo” baseada no Recife mas com abrangência por várias capitais do Nordeste. Foi ele que veio a João Pessoa, no segundo semestre de 1978, convidar-me para ser correspondente do “Estadão” na Paraíba, substituindo a Antônio Barreto Neto (já falecido).
Atuei por um bom tempo no papel de correspondente, produzindo cobertura de fatos do cotidiano e matérias especiais pautadas pela equipe de Produção de “O Estado de S. Paulo”. Fiz entrevistas e reportagens especiais com personagens tão distintos como o general Antônio Bandeira e o arcebispo metropolitano da Paraíba, Dom José Maria Pires, que combateu o regime militar. Também tiveram espaço matérias sobre potencialidades da Paraíba, assuntos ligados à causa indígena, à área cultural e ao meio ambiente. Juntamente com o repórter-fotográfico Josenildo Tenório, que era baseado no Recife, fui a Baía da Traição apurar as condições de vida dos remanescentes da aldeia dos potiguaras. Também cobri visitas de presidentes da República como Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo e elaborei textos jornalísticos de denúncias sobre abusos de poder cometidos por agentes públicos na Paraíba.
Depois de me convidar para correspondente do “Estadão”, Garcia sugeriu-me um estágio de menos de uma semana no Recife, onde cumpri pautas para entrevistar personalidades como o ex-senador Marcos Freire, o ex-governador Roberto Magalhães, o ex-vice-presidente da República Marco Maciel. Quando assessores de um governador da Paraíba insinuaram ao jornal a minha demissão, alegando que era vinculado a grupos de oposição na Paraíba, Garcia e a Redação em São Paulo solidarizaram-se comigo e reafirmaram inteira confiança na minha correção como profissional de imprensa. Com Carlos Garcia, tive liberdade para propor pautas sobre assuntos específicos da Paraíba mas que teriam repercussão nacional – e é certo que as reportagens alcançaram o destaque merecido. Na sucursal do Recife uma equipe de altíssimo nível trabalhava sob a orientação de Garcia, dela fazendo parte, por exemplo, o jornalista e escritor Geneton Moraes Neto, com quem dividi matérias assinadas.
Em seu livro “Palavra de Jornalista – as entrevistas do projeto Memória Viva da Imprensa de Pernambuco”, organizado em parceria com Gilson Oliveira, Evaldo Costa relata um pouco sobre depoimentos de vários entrevistados a respeito de Carlos Garcia. Evaldo narrou: “A prisão, a tortura de Carlos Garcia, é uma pedra angular. Ele foi preso injustamente, torturado no pau de arara, sofreu fuzilamento simulado…Tudo, simplesmente, porque era jornalista. Ele é o mártir que não morreu, porque teve a sorte de sobreviver à tortura, ao contrário de Vladimir Herzog. Por isso, não é mais famoso”. Carlos Garcia testemunhou grande parte da história política pernambucana e brasileira. Foi secretário de Comunicação do governo Cid Sampaio nos anos 50 e secretário executivo de Cultura do governo de Jarbas Vasconcelos, entre 1999 e 2002. Atuou em vários veículos de imprensa de Pernambuco e São Paulo e era natural do Recife, onde nasceu em março de 1934. Começou na imprensa no “Jornal do Commercio”, editou revistas como “Nordeste” e “Reclamo” e era sócio da ComuniGraf Editora. O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, em nota de pesar, qualificou Carlos Garcia como um dos profissionais mais éticos e competentes da imprensa no Estado e na região. Deixa, sem dúvida, um grande legado de integridade, ética, profissionalismo. A Comunicação fica mais pobre com sua partida, no Nordeste e no Brasil.