Nonato Guedes
O senador alagoano Renan Calheiros (MDB), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, instalada no Congresso para apurar omissões do governo federal no combate à pandemia de coronavírus no país, é, disparado, a figura mais “explosiva” da já tumultuada CPI que ameaça respingar profundamente no presidente Jair Bolsonaro. Além do seu perfil polêmico (é citado em processos da Operação Lava-Jato), Renan é um oligarca habilidoso que costuma jogar duro com adversários ou com quem lhe hostiliza e sabe manobrar para parecer inofensivo quando lhe convém. No processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, foi dele a sugestão para que não fossem suspensos os direitos políticos da mandatária – o resultado é que ela pôde concorrer ao Senado em 2018 por Minas Gerais. Perdeu nas urnas.
Renan já foi presidente do Senado, tem um filho no governo de Alagoas, na conjuntura atual, e conhece, como poucos, as artimanhas do jogo político em Brasília. Teve a sua indicação para relatoria da CPI da Covid contestada na Justiça pelos bolsonaristas, receosos da parcialidade que ele possa vir a adotar durante os trabalhos, mas foi-lhe assegurada a escolha, com liberdade para desempenhar papel importante no processo de investigação. O astuto Renan, no primeiro discurso à frente do novo posto, prometeu uma “profunda e caudalosa invesrtigação que será árida e acidentada, mas exitosa” e, ao mesmo tempo, asseverou que a CPI “não é para inquisição, mas para investigação”. Ou seja, deu uma no cravo e outra na ferradura. “Não somos discípulos de Daltan Dallagnol ou Sergio Moro. Não arquitetaremos teses sem provas ou PowerPoints contra quem quer que seja. Não desenharemos o alvo para depois disparar flecha”, comparou.
A retórica de Renan, longe de pacificar espíritos no Palácio do Planalto, onde tudo é paranóia, trouxe inquietação. Para interlocutores de Bolsonaro e, também, para parlamentares governistas, Calheiros criou uma zona de sombra sobre seus reais propósitos, não sendo difícil que venha a chantagear o governo ou “pegar pesado” em algumas ocasiões, dependendo dos desdobramentos ou da evolução dos rumos da Comissão Parlamentar de Inquérito. Com certo exagero, bolsonaristas mais ortodoxos avaliam que Renan Calheiros é “uma bomba ambulante” no papel de relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, impressão reforçada pelas ligações do senador alagoano com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o tem procurado para conversas neste retorno aparentemente triunfal à cena política nacional.
Em tese, o parlamentar alagoano assim conceitua sua opinião: “Contrapor o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica e o negacionismo não é uma predileção ideológica ou filosófica, mas uma obrigação democrática, moral e humana. Os inimigos desta relatoria são a pandemia e aqueles que, por ação ou omissão, incompetência ou malversação se aliaram ao vírus e colaboraram, de uma forma ou de outra, com esse morticínio”. Mais: “A comissão será um santuário da Ciência, do conhecimento, e uma antítese estridente do obscurantismo negacionista e sepulcral, responsável por uma desoladora necrópole que se expande diante da incúria e do escárnio desumano”. Renan pediu que os senadores se disponham a construir alianças, a fim de que os trabalhos da comissão se desenvolvam amparados pela maioria dos seus integrantes. E quando questionado sobre sua legitimidade para relatar a CPI, o emedebista garantiu que se pautará pela “isenção e imparcialidade, independentemente de valorações pessoais”.
Dito isto, o relator compartilhou os seus primeiros onze pedidos de informação. Na lista, estão a convocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e de seus antecessores, a investigação sobre a propaganda de medicamentos ineficazes e o compartilhamento de informações com a CPI das Fake News. “Estamos solicitando o inteiro teor dos processos administrativos, de contratações e das demais tratativas relacionadas às aquisições de vacinas e insumos, no âmbito do ministério da Saúde. No caso emblemático do caos da saúde pública no Amazonas, estamos solicitando que as autoridades sanitárias de Manaus encaminhem todos os pedidos de auxílio e de envio de suprimentos hospitalares, em especial oxigênio, além das respostas do Executivo federal”. O Palácio do Planalto tenta poupar, em particular, o general Eduardo Pazuello, último ministro da Saúde na gestão Bolsonaro, que se apresentava como um cumpridor de ordens do presidente Jair Bolsonaro e que levou a efeito uma das mais desastrosas políticas da área de Saúde no País, sendo considerado o pior ministro da Pasta na história recente dos governos.
O Planalto tem sobradas razões para se preocupar. Não apenas porque Renan Calheiros não é um político confiável, mas, sobretudo, porque a situação não é nada promissora para o governo do presidente Jair Bolsonaro, em função do sem-número de denúncias envolvendo omissões e incompetência no enfrentamento à pandemia. Uma postura sintonizada, inclusive, com o próprio negacionismo que Bolsonaro fez questão de ostentar o tempo todo e que imobilizou os passos do governo para evitar mortes que, hoje, recheiam estatísticas negativas do Brasil no contexto internacional.