Nonato Guedes
A pandemia de coronavírus que se dissemina pelo mundo tem sido pródiga em revelar situações que vão de um extremo a outro no que diz respeito ao comportamento de homens públicos e de pessoas comuns diante da calamidade inesperada e impactante que assolou a todos. Já fomos apresentados a posturas negacionistas de chefes de Estado, a ações criminosas em meio à distribuição de vacinas para quem precisa, à incúria ou desídia de governantes, traduzindo a mais absurda falta de empatia ou de sensibilidade para com um drama de consequências nefastas, tal como revelam as estatísticas. No reverso da medalha, sobressaem gestos nobres, de solidariedade efetiva, de engajamento em mobilizações que possam reverter ou minimizar efeitos perversos da epidemia no equilíbrio e bem-estar das pessoas de diferentes extratos sociais.
Um desses gestos, que vale a pena mencionar, está partindo da prefeitura municipal de João Pessoa, capital da Paraíba, que decidiu emprestar quase dez mil doses de vacinas contra a Covid-19 para o governo do Estado e para os municípios integrantes do Metro+, a região metropolitana, como parte da estratégia que visa a garantir a aplicação da segunda dose de imunizante no prazo correto por todo o território paraibano. O patrono da iniciativa foi o prefeito Cícero Lucena (PP) e, até onde se sabe, é inédita essa postura no contexto das medidas que têm sido tomadas para o enfrentamento à epidemia. Na prática, a gestão pessoense “socializa” vacinas com municípios carentes, reconhecendo as dificuldades logísticas para uma distribuição equitativa de imunizantes de forma a atender grupos prioritários que lutam para não engrossar as estatísticas da morte no país.
No chamado “Novo Normal”, a opinião pública tem assistido, bestificada – para usarmos um termo que remonta à reação popular à Proclamação da República – a uma competição desenfreada e desigual entre países para aquisição de vacinas e reforço de equipamentos na estrutura hospitalar e de assistência sanitária que se impõe para debelar o surto persistente do coronavírus. No Brasil, por causa do negacionismo assumido do presidente da República, Jair Bolsonaro, houve espaço para a proliferação de conflitos entre a União e os Estados e municípios, ou entre Estados de regiões diferentes, num jogo que incluiu, nos bastidores, expedientes de sabotagem e de deslealdade explícita. Evidente que o interesse da promoção política esteve por trás dessa ofensiva desumana e criminosa que pode vir, ou não, a ser comprovada pela polêmica Comissão Parlamentar de Inquérito instalada pelo Senado sob nítida objeção do governo central e por instância decisiva do Supremo Tribunal Federal, que assumiu o papel de guardião de vidas num país que alcançou a soma alarmante de 400 mil óbitos, como testificado ontem nos boletins que não mentem.
O comportamento da prefeitura de João Pessoa, no referido contexto, soa, nitidamente, então, como nota destoante, de forma positiva. É uma exceção Do Bem, definição que cada vez mais se populariza no Brasil na proporção em que a sociedade é bombardeada por maniqueísmos de toda ordem, forjados por razões ideológicas, políticas e partidárias inteiramente mesquinhas e descompromissadas com o interesse público. O empréstimo de doses de vacinas por parte da gestão pessoense é tanto mais emblemática quando se recorda que a própria Capital paraibana enfrentou semanas sem vacinação exatamente por conta do atraso na remessa de imunizantes por parte do Ministério da Saúde. Mas o prefeito Cícero Lucena justificou que a ação de solidariedade, agora, está sendo possível graças a ajustes no cronograma de atendimento a grupos prioritários, favorecido pela chegada de novas doses de imunizantes. “É um gesto de responsabilidade”, resumiu o gestor.
Ressalte-se que é a segunda atitude marcante do prefeito Cícero Lucena nesta fase de enfrentamento à calamidade pública. A primeira foi verificada quando eclodiram problemas que tiveram repercussão nacional, decorrentes justamente de filas em busca de doses que, infelizmente, não haviam sido repassadas ao Estado da Paraíba. Aquele foi um momento crucial, que impôs um corte brusco no cronograma que vinha sendo executado com precisão cirúrgica pela administração municipal de João Pessoa, de tal forma que a Capital paraibana conseguiu o feito de ser relacionada entre as primeiras Capitais do país mais avançadas em termos de vacinação. O prefeito Cícero Lucena, revelando consciência das suas obrigações para com a população, fez gestões diretamente junto ao próprio ministro da Saúde, o paraibano Marcelo Queiroga, em Brasília, para acelerar a remessa de vacinas. E a audiência entre ambos acabou viabilizando a própria vinda do ministro ao seu Estado de origem, na primeira visita oficial à frente da Pasta.
Gestos de solidariedade já fazem parte da trajetória do homem público Cícero Lucena, desde que ele foi catapultado da construção civil para o “front” político, como candidato a vice-governador na chapa encabeçada por Ronaldo Cunha Lima e que foi vitoriosa em segundo turno no pleito de 1990. Lucena foi artífice, juntamente com Ronaldo, da cruzada para a reabertura do Paraiban, o banco de fomento da Paraíba, violentamente submetido a um processo de liquidação extrajudicial comandado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello e pela sua equipe econômica de que faziam parte Zélia Cardoso de Melo e Ibrahim Eris. Ronaldo e Cícero enfrentaram uma verdadeira maratona de contatos políticos e audiências técnicas, mobilizaram bancadas no Congresso, Já como governador, por dez meses, Cícero imprimiu dinamismo à gestão e resolveu impasses de categorias do funcionalismo público, além de atender demandas gerais da sociedade. Nas duas vezes em que ocupou a prefeitura, deixou saldo de obras e realizações em setores essenciais. Neste seu retorno, procura cumprir o que prometeu na campanha: ser o gestor da pandemia. É o que tem feito, com louvor.