Nonato Guedes
Até o final de 2018, coincidindo com o fim da Era Ricardo Coutinho no poder, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ostentava, na Paraíba, o porte de uma legenda em expansão, com perspectiva de manutenção da hegemonia política que começou a ser conquistada em 2010 quando o líder ascendeu ao Palácio da Redenção, destronando esquemas tradicionais com que se incompatibilizou na esfera política local. Ricardo, então, não era apenas um líder emergente bafejado por acidentes políticos, mas produto real de uma trajetória construída com suor e aparente idealismo. Ele se julgava predestinado a exercer um papel revolucionário na cena tabajara, capaz de marcar época pela arrebentação que iria produzir em estruturas carcomidas fincadas em cima do fisiologismo e do assistencialismo. Coutinho anunciou-se como arauto do novo “eon” nestes trópicos.
Vieram as complicações envolvendo o PSB na correlação de forças políticas e o próprio papel desempenhado por Ricardo. O figurino revolucionário apregoado com alarde passou a constituir-se, aos olhos da opinião pública, em rotundo blefe. Ou, pior ainda, em fiasco político-ideológico, em contrafação de princípios e negação do simbolismo de mudanças no modelo político vigente no Estado. Descobriu-se que, descontados eventuais avanços cosméticos, incorporados ao campo da cidadania social, o modelo paraibano de socialismo no poder estava eivado de vícios, contaminado por anomalias e deslizes na práxis administrativa que em nada o diferenciaram dos estilos aos quais se dizia análogo. A ética e a moralidade, por exemplo, foram feridas de morte por práticas abomináveis reveladas por uma investigações da Operação Calvário, sempre pródiga em novidades sobre desvios de verbas públicas que têm estarrecido, francamente, a sociedade paraibana e causado estupor na mídia nacional. Tal como o PT de Lula com mensalões e petrolões, o PSB de Ricardo havia dado o braço à marginalidade política, provocando descrédito em valores essenciais.
Havia um preço a pagar por essa guinada – e um preço caro diante da impressão de traição à Paraíba que ficou tatuada à medida que avançaram as investigações, já com o ex-condestável fora dos quadros de poder e também rompido com o sucessor, João Azevêdo, por cuja vitória se empenhou nos palanques e, supõe-se, no uso da caneta quando deu expediente em palácio. O rompimento deveu-se à insubmissão do sucessor de Coutinho aos ditames que este insistia em repassar, como se houvesse apenas emprestado a cadeira de governador, ignorando que a própria sucessão foi extraída em memorável luta popular que teve a participação decisiva da maioria de parcelas do eleitorado paraibano e o “placet” para a alegada continuidade administrativa, que não durou muito. Por não concordar em ser caudatário das ordens de Coutinho é que o governador-sucessor entrou no índex do outrora aliado, espécie de código de maldição redigido para penalizar vozes discordantes ou dissonantes do breviário que vigorava.
O divisor de águas deu-se no episódio da desfiliação de Azevêdo dos quadros do PSB e na empreitada que ele abraçou com vistas a formar um novo agrupamento político-partidário que respondesse à sua lidernça. E foi assim que se cristalizou o “Cidadnia” no cenário político-partidário paraibano, fazendo estreia já nas eleições municipais do ano passado em redutos estratégicos do Estado. No reverso da medalha, o PSB liderado por Ricardo Coutinho foi se confundindo com a nódoa de escândalos e amargando, em função deles, posição de desgaste e de enfraquecimento natural. Depois de enfrentar a defecção do governador, viu migrar das suas fileiras o senador Veneziano Vital do Rêgo, que fora eleito sob suas cores em 2018 e preferiu fazer o caminho de volta ao MDB, onde havia militado. Enquanto isso, o único deputado federal eleito sob o pálio do PSB, Gervásio Maia, não esconde seu desconforto nem a vontade de ingressar em outro acampamento partidário que lhe dê espaço. A debandada, com a janela partidária mais na frente, alcançará outras instâncias de representação política, fechando o firo do desmonte melancólico da sigla socialista no âmbito local.
A complicada situação do ex-governador Ricardo Coutinho, que hoje frequenta mais o noticiário policial do que a crônica política, invariavelmente às voltas com objurgatórias ou restrições de toda ordem à própria mobilidade pessoal, afasta o PSB do radar de outros partidos para efeito de composição política nas eleições de 2022, quando estarão em jogo o governo do Estado e a Presidência da República. É um quadro tanto mais complexo por causa do garrote que a legislação impôs a alianças nas eleições proporcionais, com isto obrigando-se os partidos a um esforço sobre humano para conseguirem resistir ocupando espaços valiosos. O pífio desempenho de Ricardo nas eleições para prefeito de João Pessoa no ano passado foi sintomático do desmoronamento da influência socialista e da liderança ricardista na política paraibana.
O PSB é, hoje, um partido eclipsado nas trativas de bastidores políticos no Estado por conta de suas próprias complicações, ou seja, do inferno astral a que foi atirado, e de suas contradições. Ainda há quem tente dar a mão a Ricardo Coutinho, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que declarou apoio à candidatura dele a prefeito mesmo tendo o PT candidatura própria. Mas, mesmo buscando reabilitação política, que tem sido facilitada devido a interpretações judiciais contestáveis, Lula terá dificuldades para transferir votos em Estados, como as teve em algumas Capitais. Já o PSB de Ricardo Coutinho não oferece perspectiva de poder nem é propriamente uma legenda apetitosa para ser cortejada na equação local rumo a 2022. Este é um desfecho coerente com a trajetória que Coutinho perseguiu à frente da legenda – e que faz com que sua volta ao poder seja uma profunda incógnita para eventuais aliados e para incontáveis adversários.