Nonato GuedesPelo menos dois ex-ministros da Saúde no governo do presidente Jair Bolsonaro detonaram o chefe da Nação por alegados erros e irregularidades no enfrentamento à pandemia de Covid-19, em depoimentos prestados à Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado, por determinação do Supremo Tribunal Federal, para apurar responsabilidades no combate à doença. O primeiro a falar, Luiz Henrique Mandetta, exibiu documentos que fez chegar ao presidente sobre a evolução do quadro de pandemia, com gravidade, no país, ignorados na tomada de providências. Acusou, mesmo, o governo, de omissão. Ontem, Nelson Teich reafirmou que escolheu deixar o cargo após divergências com o presidente Jair Bolsonaro em relação ao uso da cloroquina contra a doença. O médico também disse que não tinha liberdade para atuar no governo segundo suas “convicções”.
Um outro ex-ministro, o general Eduardo Pazuello, o mais polêmico de todos, conseguiu evitar seu comparecimento à CPI alegando suspeita de ter tido contato com assessores contaminados por Covid. Hoje, deverá depor o ministro atual, o cardiologista paraibano Marcelo Queiroga, que se diz preparado para responder indagações acerca da sua atuação na Pasta (ele está há pouco tempo no cargo). Nelson Teich fez o comentário sobre a cloroquina logo no início de sua fala, antes dos questionamentos do relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL). Segundo ele, a conduta do presidente da República em defender o uso de medicamentos sem eficácia comprovada era “inadequada”, Marcelo Queiroga é conhecido como “o ministro da vacina” porque sua ascensão ao posto coincidiu com a deflagração ampliada da imunização de grupos sociais contra a epidemia nos Estados e Distrito Federal.
Nelson Teich explicou que a falta de autonomia à frente do ministério ficou mais evidente em razão das divergências com o governo quanto à eficácia e extensão da cloroquina no tratamento de Covid-19. “Enquanto minha convicção pessoal, baseada em estudos, era de que naquele momento não existia eficácia para liberar, existia um entendimento diferente do presidente, que era amparado por outros profissionais, até pelo Conselho Federal de Medicina. Isso foi o que motivou minha saída”, explicitou Teich. Ele alegou ainda que não tinha conhecimento nem foi consultado sobre a fabricação de cloroquina pelo Exército, assim como a sua distribuição pelo país. “Eu não participei disso. Se aconteceu alguma coisa, foi fora do meu conhecimento. Eu tinha uma posição muito clara em relação não só à cloroquina, mas a qualquer medicamento”, afiançou ele.
Luiz Henrique Mandetta, na terça-feira, revelou que o governo Bolsonaro chegou a avaliar um decreto para alterar a bula da cloroquina, a fim de que o remédio fosse indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), comentou na sua conta do Twitter sobre o fato do ex-ministro Eduardo Pazuello não comparecer à CPI alegando ter tido contato com assessores contaminados pela Covid. Para Haddad, “um homem que deveria estar preparado para ir à guerra pelo seu país, está com medo de se explicar em um debate. Fim de linha”. Há versões contraditórias em Brasília sobre a ausência de Pazuello, entre as quais a de que ele estaria sendo submetido pelo Palácio do Planalto a um “treinamento” sobre como enfrentar perguntas desagradáveis e questionamentos difíceis no âmbito da CPI.
Foi mencionada por Mandetta uma carta que ele disse ter entregue ao presidente Jair Bolsonaro em março de 2020, em que alertava sobre riscos da pandemia. Em um trecho da carta, Mandetta pontuava: “Em que pese todo esforço empreendido por esta pasta para proteção da saúde da população e, via de consequência, preservação de vidas no contexto da resposta à epidemia da covid-19, as orientações e recomendações não receberam apoio deste Governo Federal, embora tenham sido embasadas por especialistas e autoridades em saúde, nacionais e internacionais, quais sejam, o isolamento social e a necessidade de reconhecimento da transmissão comunitária”. O ex-ministro diz ainda: “recomendamos, expressamente, que a Presidência da República reveja o posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.
Mandetta deixou claro que, como Ministro da Saúde, e na sua missão como gestor do Sistema Único de Saúde, buscou promover a integração entre os poderes da República para o fortalecimento da resposta à epidemia nacional. Lembrou que no dia 16 de março de 2020, em reunião com os membros do Tribunal de Contas da União, apresentou a todos os ministros da Corte de Contas e ao Ministro da Controladoria Geral da União o cenário nacional da emergência em saúde, ressaltando a necessidade do estabelecimento de novos paradigmas para funcionamento da administração pública. Também apresentou o cenário técnico do setor saúde (riscos e agravos sobre a infecção por Covid-19), bem como medidas de saúde pública necessárias à prevenção e controle da resposta à epidemia, para as quais se fazia premente o esforço conjunto dos órgãos superiores da República. De acordo com Mandetta, “infelizmente”, suas recomendações não foram levadas em conta pelo presidente Jair Bolsonaro nos termos propostos.