O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, irritou membros da CPI da Covid no Senado Federal por evitar responder, ontem, perguntas sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia. Queiroga depôs na comissão em uma sessão de mais de nove horas, também marcada por atos de obstrução dos trabalhos por senadores governistas. Os senadores próximos ao Palácio do Planalto contestaram a atuação do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) e reagiram a cada pergunta mais incisiva e direta, para tentar evitar respostas que pudessem contrariar os interesses do governo Bolsonaro, segundo informou a “Folha de S. Paulo”.
Na quarta-feira, 5, parlamentares aliados do presidente tiveram uma reunião com ministros palacianos para tentar traçar algumas estratégias a serem usadas na CPI. Queiroga tentou driblar perguntas relativas ao posicionamento pessoal do presidente da República, recusou-se a dar sua opinião sobre o uso da hidroxicloroquina (medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid) e não quis fazer uma avaliação das condições do ministério e das ações de enfrentamento à pandemia no momento em que assumiu o cargo. O cardiologista paraibano se tornou ministro da Saúde em março, em substituição ao general Eduardo Pazuello, que saiu bastante criticado por sua atuação, pelo atraso na contratação de vacinas e pelo colapso do sistema.
O atual ministro respondeu que não recebeu nenhuma orientação de Bolsonaro referente ao uso da hidroxicloroquina, mas se recusou a avaliar a posição do presidente em defesa do medicamento. “Todos nós estamos aguardando a resposta. Não tem três palavras, só tem uma sim: “sim” e “não”, reagiu o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), acrescentando: “Até minha filha de 12 anos falaria “sim” ou “não”. Queiroga também disse desconhecer a existência de um “ministério paralelo”, expressão que membros da comissão têm usado em razão da possibilidade de o presidente receber aconselhamento de pessoas alheias à pasta para questões de saúde. O ministro da Saúde também se recusou a dar sua própria avaliação sobre o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. Afirmou que a instância adequada para analisar essa questão seria a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), da qual faz parte, que está elaborando um protocolo.
Ele afirmou: “Segundo o decreto-lei que regulamenta a Conitec, eu sou instância final decisória. Então, eu posso ter que dar um posicionamento acerca desse protocolo, de tal sorte que eu gostaria de manter o meu posicionamento final acerca do mérito do protocolo quando o protocolo for elaborado”. Posteriormente, Queiroga reconheceu que a hidroxicloroquina pode causar arritmias cardíacas, embora ressalte que são seguros. “A instância própria é essa. Esta é a instância”, reagiu o relator, Renan Calheiros. O ministro da Saúde não soube dar a certeza a respeito de ações de sua pasta para a distribuição de cloroquina para Estados e municípios – apenas disse que não tinha conhecimento. “Eu não autorizei distribuição de cloroquina na minha gestão. Eu não tenho conhecimento de que esteja havendo distribuição de cloroquina na nossa gestão”, expressou Queiroga, após ser questionado.
Em diversos momentos do depoimento, Queiroga disse que não faria “juízo de valor” e, assim, evitou responder diretamente a perguntas feitas pelos parlamentares. O ministro deu essa resposta, por exemplo, quando questionado se concordava com a declaração de Bolsonaro de que poderia editar decreto contra a política de isolamento social. Após a insistência na pergunta, apenas respondeu que Bolsonaro pensa em preservar a liberdade das pessoas e que, com isso, ele concordava. Por outro lado, reconheceu que não foi consultado pelo Palácio do Planalto a respeito de uma medida nesse sentido, apesar de sua pasta estar no centro das discussões. Queiroga se recusou a responder até mesmo a questões atuais, se envolvesse de alguma forma emitir uma opinião a respeito de gestões anteriores à frente do Ministério da Saúde. Senadores perguntaram, por exemplo, detalhes a respeito das negociações para a compra das vacinas da Pfizer e da russa Sputnik. Queiroga disse que não participou dessas tratativas. Vice-presidente da comissão, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que mesmo as negativas de respostas do ministro da Saúde oferecem elementos e contribuem com o trabalho da CPI.
Em uma rara opinião sobre falas do presidente Jair Bolsonaro, o ministro frisou que desconhece “indícios de guerra química na China”. No dia anterior, o presidente havia levantado essa possibilidade. “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou por algum ser humano que ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”, disse Bolsonaro em evento no Palácio do Planalto na quarta. E prosseguiu: “Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês”. Grande parte da discussão durante a sessão se deu em torno do uso da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. A senadora Simone Tebet, do MDB-MS brincou que o nome da comissão deveria ser mudado para CPI da Cloroquina – ela é crítica do uso desse medicamento.