Nonato Guedes
É consenso, entre setores da mídia e políticos de oposição, que o cardiologista paraibano Marcelo Queiroga preocupou-se, de forma obsessiva, em manter seu emprego como ministro da Saúde do governo Bolsonaro e, por isso, agiu como um “fujão” no depoimento prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid. Ele não respondeu a perguntas incômodas feitas por senadores, envolvendo as posições polêmicas do presidente da República acerca da pandemia. Abusou de uma resposta recorrente – “não posso fazer juízo de valor”, como tática para não trair convicções profissionais, ou seja, o juramento de Hipócrates que professou ao se formar em Medicina. Membros da CPI ironizaram que, na língua de Queiroga, a frase significava o mesmo que “não concordo com o presidente, mas não posso dizer em público”.
A verdade é que Marcelo Queiroga agiu, pragmaticamente, focado em ambições carreiristas, ao não aprofundar opiniões e informações sobre a herança encontrada na Pasta e deixada, sobretudo, pela gestão do general Eduardo Pazuello, outro que está sendo monitorado pelo Planalto para silenciar na CPI ou, então, confundir inquisidores na sua vez de falar. O álibi de não emitir juízo de valor foi usado por Queiroga, sobretudo, quando era questionado sobre a defesa do presidente para o uso da cloroquina e se ele recomendaria o medicamento como profissional da área. Vice-presidente da CPI da Covid, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que “nas declarações que o ministro não pôde dar, ele deixou claro que a estratégia deliberada do governo Bolsonaro até agora foi de contaminar todos”, acrescentando que a “imunidade natural ou de rebanho foi a forma adotada para enfrentar a pandemia”.
Curioso é que dentro do Palácio do Planalto, assessores do próprio presidente da República admitiram que a estratégia de evitar dar respostas a perguntas sobre o presidente acabou passando a mensagem de que o ministro da Saúde estava apenas evitando contradizer o chefe. Na prática, o ministro usou a mesma tática, treinada no Planalto durante ensaio para sua fala na CPI da Covid, também quando foi indagado se as declarações de Bolsonaro insinuando que a China criou o coronavírus em laboratório prejudicavam a fabricação de vacinas no Brasil. O ministro da Saúde também recorreu à frase quando questionado sobre o que achava das ameaças do presidente de baixar um decreto para garantir o direito de ir e vir da população brasileira, impedindo governadores e prefeitos de adotarem medidas de restrição de atividades.
O blog de Valdo Cruz no G1 insinua que, apesar do treinamento, em pelo menos dois momentos, pressionado, Queiroga acabou deixando transparecer sua posição sobre esses temas. Foi quando, questionado mais de uma vez pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) sobre o uso da cloroquina, e se havia feito distribuição do medicamento, respondeu que “eu não autorizei a distribuição da cloroquina”. E quando, pressionado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), acabou admitindo que concordava com a decisão do Supremo Tribunal Federal de que Estados e municípios podem adotar medidas de restrição de atividades diante de situações graves da pandemia do coronavírus, criticadas e combatidas por Bolsonaro. Nas palavras da jornalista Hylda Cavalcanti, em matéria publicada no “Jornal de Brasília”, o cardiologista paraibano mostrou-se “acuado e contido” no depoimento. Ele foi propositadamente vago nos temas polêmicos, mas, de caso pensado, fez seu jogo para se manter no cargo e o jogo de Bolsonaro para tentar controlar os rumos da CPI de qualquer maneira. Um sinal eloquente de que a CPI incomoda e, muito, o presidente da República.
Apesar dos pesares, o relator da CPI, Renan Calheiros, avalia que os primeiros depoimentos colhidos pela Comissão mostram “a existência de um gabinete das sombras, um ministério paralelo da saúde, um poder paraestatal” que não só aconselhava o presidente da República como definia medidas no enfrentamento do coronavírus numa linha contrária à de seus ministros da Saúde. Os primeiros depoimentos prestados na Comissão foram dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Mandetta foi enfático e disse que sofria a concorrência, dentro do governo, de assessores, filhos do presidente e médicos que chegaram a propor um decreto para incluir na bula da cloroquina o tratamento para Covid-19. Para Renan Calheiros, esse “gabinete das sombras” tomou decisões sem o conhecimento dos dois ex-ministros, como a determinação para o laboratório do Exército produzir mais cloroquina. Segundo o relator, Mandetta e Teich foram ignorados nas orientações de desaconselhar o uso da cloroquina e de recomendar o isolamento social e uso de máscaras.
No que diz respeito ao doutor Marcelo Queiroga, além de ter salvo sua cabeça, que estava a prêmio caso destoasse no depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito, ele ainda pode ter alguma chance de se recuperar parcialmente do estrago pelas “boutades” cometidas se conseguir se firmar como “o ministro da vacina”. Afinal, o Plano Nacional de Imunização concebido tardiamente pelo governo federal está enfrentando problemas de logística e de funcionalidade, com recorrente falta de imunizantes para aplicação das segundas doses, em Capitais e cidades do interior do país. Se Queiroga arregaçar as mangas e acelerar a vacinação, poderá se compensar por ter “farrapado” de forma vergonhosa na sabatina realizada por integrantes de uma CPI que é explosiva para o Planalto por causa do efeito colateral do impeachment de Bolsonaro, que pode provocar.