Nonato Guedes
O líder petista Luiz Inácio Lula da Silva está há praticamente uma década fora do cenário de poder no Brasil, desde que passou a faixa à sucessora Dilma Rousseff, “o poste” que ele impulsionou com o prestígio e a popularidade de que desfrutava. A sua volta ao jogo, como candidato a presidente nas eleições do próximo ano, enfrentando Jair Bolsonaro, é uma espécie de “tira-teima” para Lula aferir o tamanho dos espaços que ainda detém na conjuntura política-eleitoral brasileira. Os petistas mais ortodoxos e os “lulistas” fanáticos acreditam que a disputa será “um passeio” para Lula, marcando sua completa reabilitação depois de vicissitudes que enfrentou, como a prisão por 580 dias na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Mas, de concreto, mesmo, subsiste apenas a certeza de que a volta de Lula recria de forma acirrada a polarização entre forças de direita e de esquerda no país.
Pesquisas de opinião pública que já têm sido realizadas por institutos confiáveis mostram diferença apertada entre Bolsonaro e Lula nas intenções de voto para a corrida ao Planalto no próximo ano. A polarização não deverá facilitar a vida de postulantes que tentam criar uma terceira via política no Brasil, em torno de uma “candidatura de centro”. Lula espera se beneficiar do desgaste do governo do capitão, tanto no enfrentamento à pandemia do coronavírus, como na dificuldade em superar a crise econômica. Os bolsonaristas apostam no deslanche de um canteiro de obras por todo o país por parte do atual governo, vencendo a paralisia que o acometeu, também por causa das medidas de restrição social adotadas para conter a disseminação do coronavírus. No meio de tudo, há uma CPI cujos resultados são imprevisíveis para o governo, à medida que tenta devassar crimes de responsabilidade na condução do combate à Covid, com omissões e irregularidades que teriam custado milhares de vidas no país.
Lula renasceu das cinzas, como a Fênix, graças à decisão judicial que o colocou em liberdade. Passou, então, a trabalhar incansavelmente com outro objetivo maior – o de conseguir atestado de inocência diante das acusações que lhe foram imputadas, envolvendo corrupção e improbidade no exercício do cargo. Foi bafejado, então, por uma decisão monocrática, convertida em decisão colegiada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que anulou condenações impostas em alguns processos a que respondia. Ganhou, ainda, passaporte que o tornou elegível, ou seja, apto a concorrer às eleições do próximo ano, a qualquer cargo. Ele quer, é claro, a Presidência de volta, e já pôs o pé na estrada, cumprindo maratona de conversas com líderes de diferentes partidos, da esquerda ao centro, como corolário da estratégia para formar um “frentão” anti-Bolsonaro na campanha.
Numa das pesquisas divulgadas, a da XP/Ipespe, Luiz Inácio Lula da Silva surgiu, inclusive, com 29% das intenções de voto para 2022, tecnicamente empatado com Bolsonaro, a quem foi atribuído o percentual de 28%. Embora evite se declarar candidato, o líder petista e seus aliados articulam sem parar em busca de apoios nos mais variados segmentos, dos tempos evangélicos ao empresariado, passando por centrais sindicais e por militantes de base que em outras épocas constituíram a massa de manobra alinhada ou simpatizante do PT e de sua maior estrela. O Nordeste, nesse contexto, é prioridade de Lula, que julga ter uma bandeira consolidada – o projeto de transposição das águas do rio São Francisco, saudado como uma “redenção” para o sofrido povo desta região. Lula tem se acertado com expoentes do PSB, com caciques do MDB (a exemplo do ex-presidente José Sarney) e ultimamente tem avançado negociações com integrantes de partidos de centro, com a meta de quebrar a espinha dorsal de sustentação política do bolsonarismo em regiões influentes do Brasil.
Bolsonaro tem passado recibo, senão de desespero, certamente de grande preocupação com os efeitos da investida que Lula empreende em várias frentes para se viabilizar como alternativa ameaçadora na campanha em que o atual presidente se submeterá a um plebiscito, testando seu prestígio ao pleitear o instituto da reeleição. A campanha de 2022 será inteiramente diferente para Bolsonaro em comparação com a de 2018, em que ele figurou como “outsider”, aparentemente desvinculado de esquemas políticos tradicionais, e capitalizou o vitimismo após ser esfaqueado durante uma manifestação a céu aberto em Juiz de Fora, Minas Gerais. Em 2018 não havia Lula no páreo – o candidato do PT foi o ex-ministro Fernando Haddad, que, ainda assim, conseguiu empurrar a disputa para o segundo turno, nele perdendo fôlego para o capitão.
Agora, é Lula em pessoa o adversário de Bolsonaro nas urnas, pelo menos a dados de hoje, se não houver fator superveniente até outubro de 2022 quando o pleito vai se ferir em primeiro turno. Lula está tão confiante de que ganhará a revanche que não demonstra o menor interesse em estimular ensaios de processo de impeachment do presidente da República. Aliás, em declarações públicas, o expoente petista passa inteiramente ao largo dessa questão. Ele está decidido a “sangrar” Bolsonaro nas urnas, desalojar o atual presidente da República do cargo pelo voto e, pelo voto, retomar a Presidência, com isto reparando, também, o que sempre considerou um “golpe” contra Dilma Rousseff, em alusão ao impeachment que ela experimentou. É uma grande cartada, sem a menor dúvida. E também, seguramente, a última cartada de Lula depois de uma década de ostracismo e de inferno astral.