Linaldo Guedes
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Lourenço Dutra chega com “Desenhada em concreto” uma obra interessante e necessária para quem quer conhecer, através da poesia, Brasília e o Planalto Central. Lourenço, aliás, é um exemplo prático dessa mistura de brasis existente em nossa capital federal, sendo esta sua cidade de origem, mas com pai pernambucano e mãe catarinense. A obra saiu no final do ano passado com o selo da editora Penalux, de São Paulo, e ganhou Menção Honrosa no I Concurso Literário da Arribaçã.
O livro de Lourenço funciona, sobretudo, como um itinerário lírico da cidade de Brasília, cidade que já defini em um poema como subterrânea, com tudo meio que escondido. Cabe aos poetas apresentá-la ao público. É o que Lourenço faz nesta obra, falando de uma cidade que nasce do concreto e do sonho, do adeus aos candangos, das Candinhas do Planalto Central, da espera pelas ordens dos generais, da violência, dos políticos biônicos, das modas e modais do cerrado.
Como falei, em outra oportunidade, a melhor forma de conhecer uma cidade é através dos seus poetas. Como conhecer a história de João Pessoa, através da poesia de Políbio Alves, ou de São Luís, no Maranhão, pela poética de Luís Augusto Cassas. E Brasília, por meio da lírica lourenciana.
Vejam esse poema de Lourenço, aliás, o primeiro do livro, se não é uma bela carta de apresentação de Brasília:
Nasce uma cidade de concreto e sonho
Ali no meio do Planalto Central
Urge a feitura para políticos e desempregados
Expectativas de uma nova vida
Nasce uma cidade de concreto e sonho
Latitude tal longitude essa
Longe de tudo e de todos
Ilha distante no coração do país
Nasce uma cidade de concreto e sonho
Repleta de calos, de ternos, botinas e suor
Terra de canetadas, esperança e terra vermelha
Nasce com traços riscados a giz
No quadro negro, branco e pardo da vida
Traços calculados, compassos medidos, extenuante trabalho
Cidade que nasce talvez prematura
No meio da amplidão que chamavam de nada
Terra da modernidade ainda em era de oligarquia
Cidade do futuro em meio a uma terra de atraso
Nasce uma cidade pequena
Maquete gigante em formato de canteiros
Muito distante de avós, primos e tias
Essa que é a minha cidade
Em resumo, como afirmam as orelhas do livro, são poemas que narram vidas em uma cidade empoeirada, longínqua, cercada por muito mato e envolvida em muitos sonhos. Gosto de vários poemas do livro, e aqui cito mais um – “Ideia perdida”, com uma forte denúncia social inclusa:
O famoso arquiteto comunista
Deu todas as pistas
Criou na mente
Desenhou na prancheta
A mais igualitária das cidades
Mas o famoso arquiteto visionário
Não projetou o tempo, os homens, a realidade
Esqueceu-se completamente do pecado da vaidade
Perdeu-se em sonhos, utopias, leitura de teorias
O grande projetista calculou mal
O futuro da moderna cidade sem esquinas
A pulsante ideia original, justa, igualitária
Não fez correções, não teve continuidade
Seguiu comum, cambaleante, desigual
Total, infeliz, irreversivelmente
Quer queira ou não triste notícia essa
A de que a cidade se apartou em várias
Empurrou para longe pobres, pretos, candangos assalariados
Aburguesou-se com toda a convicção
Existente no mundo de hoje, de sempre, de então
Lourenço Dutra é músico e já publicou livros de ficção. “Desenhada em concreto” é sua estreia na poesia em livro. Uma estreia com o pé direito, é bom que se diga.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.