Nonato Guedes
O líder petista Luiz Inácio Lula da Silva já não esconde a ambição de voltar a concorrer à presidência da República contra Jair Bolsonaro, agora que recuperou os direitos políticos. Fez o anúncio em entrevista a uma publicação francesa, sinalizando que está liberado para voltar ao jogo político-eleitoral e que aposta, claramente, numa polarização contra o atual mandatário, confiando em que será beneficiário do desgaste do governo, que se acentuou no enfrentamento à pandemia de coronavírus. Aliás, o ex-ministro José Dirceu, que foi eminência parda em gestões petistas, confirma, em artigo na web, que há uma análise de rejeição ao atual governo por parte da sociedade, em virtude da incapacidade do presidente de liderar o país e por causa da atuação incompetente na crise sanitária.
Aludindo a Bolsonaro, José Dirceu fuzila: “Seus índices de aprovação vêm caindo sucessivamente e sua ida ao segundo turno das eleições presidenciais de 2022 já não está garantida. Muito menos sua reeleição”. O sentimento triunfalista flui com evidência solar na manifestação do ex-ministro, seguramente reproduzindo o otimismo que reina nas hostes petistas, desde já envolvidas na narrativa de que Lula será imbatível no retorno. Lula, habilmente, na entrevista, tenta colocar sua candidatura como uma oportunidade para julgamento popular dos seus dois governos, passando a impressão de que poderá, enfim, receber reconhecimento da maioria por ações e projetos que tenha implementado. Mas é inescapável que o sentimento de confiança repousa na crença do avanço do anti-bolsonarismo.
Leiamos este trecho da exegese de Dirceu: “É errado deduzir que não há luta e oposição ao bolsonarismo pelo fato de não se ter grandes manifestações de rua e greves. Ao contrário, as pesquisas indicam que a cada mês cresce a oposição ao governo e que ela se expande para todas as classes sociais, faixas de renda, idade, sexo e mesmo religião, isolando o presidente. Que conta, no entanto, com núcleo duro de 15% a 20% do eleitorado”. Conforme Zé Dirceu, o que ocorre não é apenas um crescimento de apoio a uma eventual candidatura de Lula ou sua provável vitória no segundo turno, mas, sim, a perda, pelo atual presidente, de uma substancial parcela de eleitores que lhe deram a vitória em 2018. “A oposição, portanto, e até mesmo o apoio ao impeachment já são majoritários. A própria CPI da Covid vem recebendo apoio da maioria e cresce a rejeição às principais bandeiras e ideias do presidente”, raciocina o ex-ministro.
Dirceu concorda com “a pergunta que todos fazem”, ou seja: por que a oposição brasileira não se manifesta nas ruas? Para ele, a resposta não é simples e a pandemia é apenas parte da explicação, já que não impediu massivas manifestações populares na Clômbia, Equador, Chile e Paraguai, nem o comparecimento às urnas nas eleições realizadas na Bolívia, no Equador, no Peru e, recentemente, no Chile. “Na prática, o que assistimos no Brasil é o chamado fogo de monturo, que começa por baixo, mal faz fumaça e, quando é percebido, já queimou tudo. Se observarmos atentamente, veremos que crescem em todo o país as manifestações e o repúdio a tudo que simboliza o bolsonarismo. Por enquanto, as manifestações são pequenas em número de manifestantes, mas estão se expandindo e sinalizam disposição para a luta e protestos de rua”, teoriza o ex-ministro da Casa Civil do governo Lula.
Dirceu, que já foi chamado por Lula de “capitão” do time petista, enfatiza: “Vivemos duros anos de derrotas e defensiva, de perda de direitos e esperanças, golpe de 2016, condenação e prisão de Lula (agora anulada, inclusive com a suspeição do juiz que o condenou), reformas da Previdência, trabalhista, terceirização e precarização dos empregos, desemprego e informalidade. Mas essas derrotas e perdas não apagaram, como alguns imaginam, a memória, o legado e o sentimento democrático da sociedade brasileira. A rejeição ao obscurantismo e fundamentalismo religioso acabará por se impor. Não há por que nos acomodarmos ao desânimo e desespero”. A seu ver, Bolsonaro reage ao isolamento político crescente e ao risco de derrota recuando para suas bandeiras ultrarreacionárias e para a sua base restrita, formada pelo agronegócio, conservadorismo religioso, militares e extrema direita.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pressa em assumir uma candidatura à presidência da República com bastante antecedência porque se trata de estratégia calculada para ocupar espaços, respaldar a decisão do Supremo Tribunal Federal que lhe deu salvo-conduto para novamente ser candidato, tornando-a irreversível, e, por último, como tática para se impor no segmento de esquerda e junto a forças de oposição ao bolsonarismo como a alternativa mais credenciada para derrotar o atual presidente. É sintomático, por exemplo, que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que tentou se viabilizar como alternativa presidencial, esteja recuando para uma candidatura ao Senado, bem como que “presidenciáveis” carimbados de centro-esquerda como Ciro Gomes (PDT) estejam em baixa nas pesquisas de intenção de voto para o pleito do próximo ano. Lula está sendo levado a acreditar que a vez será sua na corrida presidencial de 2022. Está no papel dele. Quanto a Bolsonaro, mergulhou no desespero desde a volta de Lula à cena, fragilizando o seu próprio esquema político enquanto aprofunda o desgaste do seu governo perante setores influentes da opinião pública. Para o líder petista, a campanha já começou.