Nonato Guedes, com agências
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), que é natural da Paraíba, manifestou-se à imprensa em tom de desabafo sobre a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de barrar o toque de recolher que ela decretou para conter a expansão da pandemia de coronavírus, que atinge o Estado de maneira crítica. O Rio Grande do Norte tem quase 90% dos leitos ocupados e o número de novos casos segue elevado. Ontem, o presidente ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para derrubar decretos com medidas restritivas adotadas por Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraná, todos Estados governados por opositores.
Falando à “Folha de São Paulo”, Fátima Bezerra reagiu: “Ninguém tem sossego. A gente estava celebrando essa conquista grande que foi a inclusão dos trabalhadores da educação no grupo prioritário de vacinação, parecia uma luz no fim do túnel, e aí vem uma notícia dessas”. Fátima, que é pedagoga, tem defendido a imunização de profissionais da área desde o final de 2020. A governadora destaca que as medidas restritivas decretadas no Rio Grande do Norte estão relacionadas a um cenário pandêmico que continua grave. O governo do Rio Grande do Norte determinou toque de recolher das 22h às 5h, entre os dias 22 de maio e 6 de junho, em 37 municípios da região do Alto Oeste. Houve a proibição de venda de bebidas alcoólicas e de consumo em espaços públicos nesses locais. Bolsonaro, porém, resolveu questionar o decreto com tais medidas.
Fátima Bezerra frisou que, se for necessário, recorrerá de decisões que impeçam ou inviabilizem a implementação de medidas restritivas no Estado. O presidente se fez representar na Ação pela Advocacia Geral da União, que alegou que as medidas tomadas pelo Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraná estão “em descompasso com a Constituição”. Desde o início da pandemia, o mandatário tem sido um crítico árduo dessas iniciativas por parte de Estados e municípios, embora as restrições à circulação de pessoas sejam consideradas por autoridades do mundo inteiro como eficientes para frear a contaminação. A AGU informou que o intuito da ação é garantir “a coexistência de direitos e garantias fundamentais do cidadão, como as liberdades de ir e vir, os direitos ao trabalho e à subsistência, em conjunto com os direitos à vida e à saúde de todo cidadão, mediante a aplicação dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da democracia e do Estado de Direito”.
Em março, Bolsonaro ingressou com uma Ação semelhante, que tentou barrar decretos da Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, que determinaram toques de recolher como estratégias de enfrentamento da covid-19. O ministro Marco Aurélio Mello rejeitou o pedido e disse que caberia à AGU formalizar a ação, o que foi feito agora. A AGU esclareceu que Bolsonaro não questiona decisões anteriores do STF, que reconheceram a competência dos governadores para adotarem as medidas de enfrentamento da pandemia, mas defende que as restrições devem ser conjugadas “com a proteção mínima das demais liberdades fundamentais e, ainda, deve considerar os devastadores efeitos que medidas extremas e prolongadas trazem para a subsistência das pessoas, para a educação, para as relações familiares e sociais, e para a própria saúde”. “O avanço da vacinação no país é fato superveniente juridicamente relevante. À medida que os grupos prioritários e a população em geral vão sendo imunizados, mais excessiva e desproporcional se torna a imposição de medidas extremas, que sacrificam direitos e liberdades fundamentais da população”, ressalta a AGU na ação enviada ao STF.
Nas últimas horas, Bolsonaro voltou a criticar as políticas de “lockdown” (confinamento total) adotadas por alguns governadores e prefeitos, sem especificar quais. O presidente comentava sobre os números do Caged, Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, divulgados ontem, que apontaram a criação de quase 121 mil vagas formais em abril e culpou as restrições pela “destruição dos empregos”. Em sua live semanal, transmitida de São Gabriel da Cachoeira (AM), Bolsonaro enfatizou: “Quem cria emprego é empresário, nós procuramos não dificultar a vida de quem produz. Nesse mês de abril foram 120 mil novos empregos. Deixo claro: apesar de alguns governadores e prefeitos fecharem tudo, obrigarem você a ficar em casa, nós conseguimos evitar que essa destruição de empregos formais fosse feita”. E acrescentou: “Aquela máxima do ‘fique em casa, economia a gente vê depois’, eu falava ‘olha, devemos ter um olho na economia também, porque o desemprego e o vírus são dois problemas que devemos tratar com a mesma responsabilidade, de forma simultânea”.