Nonato Guedes
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dispõe-se a enfrentar a pandemia do novo coronavírus no país e cumprir missões políticas nos Estados que envolvem debate da conjuntura institucional, frequentemente ameaçada por acenos autoritários do presidente Jair Bolsonaro e, em paralelo, debate da mobilização da sociedade por aceleração da campanha de vacinação contra a Covid-19, que lideranças políticas de oposição qualificam como pauta prioritária. O pano de fundo do périplo de Lula por Estados como a Paraíba é, mesmo, a ocupação de espaços para enraizar a candidatura do ex-presidente ao Planalto na faixa ideológica de centro-esquerda. O empenho com vistas a aglutinar forças contra Bolsonaro, que será seu principal adversário, faz Lula relevar até mesmo os votos pró-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, pelo Congresso Nacional, apoiado por pressão de movimentos de rua.
Na então bancada federal paraibana, em 2016, nove do total de doze representantes da Paraíba votaram pela admissibilidade do impeachment da ex-mandatária, a primeira mulher a sofrer tal processo na história política brasileira. Alguns desses parlamentares deverão constar da “agenda pragmática” que Lula encetará por todo o país, com bastante antecedência, mirando a disputa presidencial vindoura. São os casos do deputado federal Aguinaldo Ribeiro, do PP, e do hoje senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), já anunciados pelo presidente estadual do PT, Jackson Macedo, como expoentes do grupo de interlocutores com quem Lula pretende dialogar, na visita que ocorrerá entre o fim de junho e início de julho. No caso específico de Aguinaldo Ribeiro, houve agravante pelo fato de que ele havia ocupado o ministério das Cidades no governo de Dilma Rousseff e fora distinguido com elogios da ex-mandatária durante uma viagem a Campina Grande, reduto do parlamentar.
Não obstante, Aguinaldo Ribeiro, em 2016, no calor das polêmicas agitadas em torno do impeachment de Dilma Rousseff, cujo governo já dava sinais de desgaste e, por via de consequência, de exaustão, argumentou que votaria pelo afastamento da sua ex-chefe acatando orientação do seu partido, do qual era líder na Câmara Federal. Dilma Rousseff chegou a se manifestar à imprensa, em tom de desapontamento, com a atitude de políticos como o deputado paraibano Aguinaldo Ribeiro. E líderes petistas não pouparam de críticas Veneziano Vital, que mais tarde, como se recorda, veio a se filiar ao PSB, foi eleito senador e agora preside o MDB paraibano. Mas o pragmatismo de Lula permitirá espaço na sua agenda, na Paraíba, para políticos que foram aliados até pouco tempo e que logo se confrontaram, como o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) e o atual governador João Azevêdo (Cidadania). Ambos já declararam voto em Lula, em 2022.
Claro que não é segredo para ninguém que Lula, na ambição de retomar o poder e reabilitar-se de sentenças de condenação que o mantiveram preso por 580 dias na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, está jogando na lata do lixo os registros de divergências que vivenciou ao longo de sua trajetória, mesmo quando estava empalmando o poder. Durante bastante tempo, o impeachment de Dilma Rousseff foi tratado por Lula e o PT na mídia brasileira e apresentado à mídia internacional como “golpe parlamentar”. O episódio do impeachment e, mais tarde, a prisão do líder petista constituíram mantras alardeados como manobras golpistas engendradas por forças conservadoras que supostamente tiveram interesses contrariados em gestões petistas ou se tomaram de ímpeto para investir numa guerrilha ideológica, opondo a direita à esquerda no espectro político nacional. Esse elemento ideológico acentuou-se a partir da eleição de Bolsonaro em 2018 e, na sequência, com os atos comandados pelo já presidente, de inequívoco viés autoritário.
Reconhecido por aliados e adversários como “animal político”, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem-se mostrado metódico no planejamento que elaborou para voltar ao poder pelo voto, em alto estilo, redimindo o PT dos estigmas que enfrentou e, na medida do possível, compensando-o pelos revezes experimentados em disputas de grande envergadura como o embate pela faixa presidencial ou em menor escala, nas instâncias estaduais e municipais. A intuição ditou a Lula que ele precisava voltar a vestir um figurino conciliador como tática para derrubar resistências a uma nova candidatura ao Planalto. E Lula tem se aplicado nesse mister, de que foram exemplos as suas conversas com gente como o ex-presidente José Sarney ou o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do PSD. Apenas uns poucos partidos não entram no radar de Lula, como, por exemplo, o DEM, que é encarado como encarnação do Mal.
Lula da Silva conhece, como poucos, a radiografia do Congresso Nacional, bem como o desenho das forças partidárias que atuam e influenciam o cenário político-institucional brasileiro, com reflexo nas eleições de 2022, que se encaminham para um caráter flagrantemente plebiscitário, do ponto de vista político-ideológico, a partir, mesmo, da liberação concedida ao líder petista pelo Supremo Tribunal Federal para candidatar-se sem risco de impugnação no próximo ano. Lula, também, tem habilidade para costurar alianças regionais de modo que estas fortaleçam o seu projeto pessoal de poder. Nas campanhas anteriores testemunhou o funcionamento dos palanques pró-Lula que enfeitavam campanhas de adversários locais mas, no final das contas, somavam para a sua própria candidatura. É por tudo isso que Lula busca tatuar a candidatura de 2022 como suprapartidária, em paralelo com o mantra da “candidatura de resistência ao arbítrio”. Pouco lhe importa se precisará administrar querelas paroquiais. Ele trabalha com o macro – e o macro, para Lula e o PT, será a volta ao poder, rompendo o ostracismo a que foi exposto desde a queda de Dilma. Em tempo: dos 12 deputados federais paraibanos atuantes em 2016, apenas três ficaram ao lado de Dilma e, portanto, contra o impeachment. Foram: Luiz Couto (PT), Damião Feliciano (PDT) e Wellington Roberto (ex-PR, hoje PL).