Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro continua brigado com segmentos expressivos da sociedade, a julgar por fortes panelaços registrados em diversas cidades, ontem, quando da sua fala em rede nacional de rádio e televisão, a pretexto de enfocar a pandemia de Covid-19 no país. O pronunciamento foi agendado como parte de uma estratégia para reverter o desgaste do governo no combate ao coronavírus, dando ênfase à campanha de vacinação que finalmente ganhou impulso depois de omissões cruciais. Mas, além de dividir opiniões, a fala presidencial suscitou críticas da CPI do Genocídio instalada no Senado Federal, que considerou tardia a referência ao espantoso número de óbitos no Brasil.
Não faltaram insinuações de que ao exaltar supostas realizações do governo e confirmar a efetivação da Copa América, Bolsonaro quis desviar o foco das atenções que estão concentradas na CPI, a qual tem trazido revelações comprometedoras sobre a postura negacionista da atual gestão e a leniência na tomada de medidas que requeriam urgência com vistas a evitar que a epidemia alcançasse proporções alarmantes em comparação com as estatísticas de outros países. O presidente ainda tentou sensibilizar a opinião pública com a tese de que o seu governo não obrigou ninguém a ficar em casa, não fechou o comércio, não fechou igrejas ou escolas nem tirou o sustento de milhões de trabalhadores informais. Mas não logrou êxito nessa ofensiva. De resto, enquanto salientou que já foi alcançada a marca de 100 milhões de doses de vacinas distribuídas a Estados e municípios, Bolsonaro omitiu que já passa de 460 mil o total de vidas perdidas para a Covid.
Como observam analistas da mídia sulista, era previsível que o pronunciamento despertasse protestos em camadas da população porque foi feito em meio à queda da popularidade do mandatário diante do avanço dos trabalhos da CPI no Senado e à polêmica da Copa América. Somou-se a isto o fato de que no final de semana o governo enfrentou duras manifestações críticas, reproduzindo a condenação popular a métodos e procedimentos polêmicos que Bolsonaro insiste em adotar, na contramão de recomendações científicas embasadas em análises criteriosas da conjuntura pós-pandemia. Quanto à CPI da Covid, o governo tem perdido a guerra da comunicação mesmo quando seus defensores e aliados preferem ficar calados, sem dar resposta a questionamentos que são agitados por setores da sociedade empenhados em buscar a verdade sobre o histórico da calamidade no Brasil.
Na nota sobre o pronunciamento de Bolsonaro, a cúpula da CPI, formada pelo presidente Omar Aziz (PSD-AM), pelo vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) é taxativa: “A inflexão do presidente da República celebrando vacinas contra a Covid-19 veio com um atraso fatal e doloroso. O Brasil esperava esse tom em 24 de março de 2020, quando inaugurou-se o negacionismo minimizando a doença, qualificando-a de “gripezinha”. Um atraso de 432 dias e a morte de quase 470 mil brasileiros, desumano e indefensável”. Para os signatários do texto, a fala de Bolsonaro deveria ser materializada na aceitação das vacinas do Butantan e da Pfizer no meio do ano passado, quando o governo deixou de comprar 130 milhões de doses, suficientes para metade da população brasileira. “Optou-se por desqualificar vacinas, sabotar a ciência, estimular aglomerações, conspirar contra o isolamento social e prescrever medicamentos ineficazes para a Covid-19”, acrescenta.
Os integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito explicam que a reação é consequência do trabalho da própria CPI e da pressão da sociedade que ocupou as ruas “contra o obscurantismo”. Frisam que, embora sinalize com recuo no negacionismo, “esse reposicionamento vem tarde demais”. E em função disso, a CPI “volta a lamentar a perda de tantas vidas e dores que poderiam ter sido evitadas”. Além do trio de parlamentares que comandam a CPI, assinaram a nota os senadores titulares Tasso Jereissati (PSDB-CE), Otto Alencar (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PE) e Eduardo Braga (MDB-AM), além dos suplentes Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Rogério Carvalho (PT-SE). Após os panelaços registrados por ocasião do pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em cadeia nacional, ontem, a oposição foi às redes sociais para firmar uma nova data de protestos contra o mandatário. No dia 19 de junho, internautas querem fazer mais uma manifestação nas ruas contra Bolsonaro, de forma a repetir a manifestação histórica do último sábado, 29.
A convocação do novo ato está sendo feita nas redes sociais por entidades estudantis, como a União Nacional dos Estudantes, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), assim como políticos do PSOL e do Partido dos Trabalhadores. Expoentes desses movimentos não escondem que se trata de mais uma mobilização para tentar viabilizar o impeachment do presidente Jair Bolsonaro, por cometimento de alegados crimes de responsabilidade. Guilherme Boulos, do PSOL, salientou: “A luta pelo #ForaBolsonaro só cresce”, o que foi endossado por parlamentares e outras lideranças. É temerário prever qual o desfecho que terá, afinal, a Comissão Parlamentar de Inquérito que atrai holofotes no Senado Federal. Mas não há dúvidas de que setores organizados da sociedade não darão trégua a Bolsonaro, que é responsabilizado em grande parte pela tragédia que acomete o Brasil.