Baseada em um entendimento do Supremo Tribunal Federal, a defesa do empresário Roberto Santiago pediu à justiça estadual da Paraíba que anule provas e a ação movida contra ele na Operação Xeque Mate, deflagrada pela Polícia Federal em 2018.
O pedido dos advogados do empresário é baseado no entendimento do STF sobre o compartilhamento de relatórios do Coaf, o Conselho de Controle e Atividades Financeiras, sem prévia autorização judicial para uso em investigações criminais, como ocorreu no caso de Santiago. Para os advogados do empresário, houve descumprimento das regras fixadas pela corte em 2019.
No pedido apresentado à Justiça, a defesa alega que o relatório do Coaf que cita Roberto Santiago é nulo e, como foi a base da investigação, todo o caso acaba torna-se nulo também, mas somente em relação ao empresário. O pedido da defesa é apenas para Roberto Santiago e, caso a Justiça entenda que o relatório é nulo, o empresário seria retirado da operação, mas a Xeque Mate continuaria a existir em relação a outros investigados. Isso porque o relatório questionado pela defesa tinha como alvo somente Roberto Santiago.
De acordo com as regras fixadas pelo Supremo em 2019 e confirmadas agora no fim de março de 2021 com a finalização do processo no STF, no chamado “trânsito em julgado”, os investigadores podem usar este tipo de relatório, desde que haja uma formalização – a ideia é que isso possa depois ser fiscalizado, como forma de evitar abusos, como um relatório ser usado para iniciar investigações sem indícios, exatamente o caso que os advogados de Roberto Santiago agora levam à Justiça em relação ao empresário. É como se fosse feito por encomenda, para ver se dá alguma pista para aí sim iniciar uma investigação. Os ministros do Supremo chamaram isso de pescaria (Fishing expedition): você pede as informações e depois vê se há algo para pescar que renda.
O próprio ministro Dias Toffoli, em 2019, quando definiu as regras, resumiu da seguinte maneira: formalizar os pedidos era uma maneira de garantir investigações mais sólidas e o direito das pessoas à intimidade: “Tudo documentado, tem que ficar tudo documentado. E-mail não, WhatsApp não, isso é para quem tem preguiça de fazer ofício. Estamos falando da vida e da intimidade de pessoas”, disse no julgamento.
Mas os advogados de Roberto Santiago apontam que não há na investigação, desde 2018, nenhuma formalização para a devassa na vida financeira de um dos maiores empresários da Paraíba.
“Não se sabe a fundamentação da solicitação, nem o teor da resposta da UIF, quais as datas do pedido e do envio, se houve complementação, se o sigilo foi garantido, se os interlocutores foram certificados, enfim, nada disso é possível verificar. Há um fluxo intenso de informações financeiras sigilosas entre agentes estatais que está totalmente à revelia de controle jurisdicional. Os registros de comunicação entre autoridade policial e COAF foram sonegados não só da defesa, mas também do Poder Judiciário, impedindo a conferência sobre os aspectos elencados acima”, escrevem os advogados de Santiago, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
A defesa do empresário aponta ainda outras irregularidades, como indícios de um dos relatórios do Coaf ter sido requerido antes mesmo da abertura da investigação criminal. Ou seja, é como uma investigação que trocou o pé pelas mãos: começou sem indício e aí pegaram o relatório para ver o que tinha para justificar a investigação.
Além disso, sustentam os advogados, a PF não tinha atribuição para tocar o caso.
A denúncia se baseou em inquérito formalmente instaurado em 06 de março de 2017 pela PF, após recebimento de denúncia anônima. Segundo essa denúncia, Leto Viana, então vice-prefeito de Cabedelo, teria pago R$ 1 milhão ao então prefeito, José Maria de Lucena Filho, o Luceninha, para que renunciasse ao seu cargo.
Santiago, por meio de sua empresa, teria cedido os valores usados na hipotética compra de mandato para que Leto Viana obstruísse a construção do Shopping de Intermares, de um grupo concorrente ao do empresário.
A defesa sustenta que os crimes citados na denúncia não eram federais, mas, mesmo assim, a PF abriu a apuração e a manteve consigo, o que na prática mostra que a investigação teve uma falha na origem. Para isso, a PF alegou que havia suspeitas de que Leto Viana havia praticado evasão de divisas ao exterior. O único indício apresentado foi uma lista de viagens do ex-vice-prefeito aos Estados Unidos. O curioso é que o próprio delator admitiu que antes procurou o Ministério Público da Paraíba, que é onde deveria ser o caso.
Essa denúncia anônima, aliás, era tão frágil que a própria investigação depois não a utilizou, mas serviu como início de apuração. Detalhe: a evasão de divisas seria de Leto, e não de Roberto Santiago. Mesmo assim, houve uma devassa na vida financeira do empresário por parte da Polícia Federal.
“Repita-se: uma denúncia anônima e uma relação de viagens ao exterior, cujo somatório não ultrapassa uma por ano, foram suficientes para a Polícia Federal requerer ao COAF o envio de relatório de inteligência financeira! Ora, de antemão, já se percebe que não havia indício algum de crime para que a autoridade policial formulasse tal solicitação ao Coaf, medida de extrema gravidade, que, em certo grau, implica supressão do sigilo financeiro”, afirmam os defensores de Santiago.
O Supremo também determinou em 2019 que, para que os órgãos de investigação criminal solicitem dados ao Coaf, é necessário que haja ligação entre as informações pretendidas e a apuração em curso. Contudo, um dos relatórios demandados pela PF foi elaborado apenas cinco dias após a instauração do inquérito, o que indica que foi solicitado informalmente antes da abertura do caso.
“Portanto, sendo certo que o RIF fora solicitado pela Polícia Federal antes da instauração de inquérito, tem-se que a hipótese descumpre com o acórdão do RE 1055941 [do Supremo], na medida em que falta um procedimento investigatório prévio para o qual se pretende utilizar as informações financeiras”, diz a peça assinada pelos advogados.