Nonato Guedes
No próximo dia 13, o ministro Marco Aurélio Mello completará 31 anos de Supremo Tribunal Federal e, no dia cinco de julho, ele se aposentará da Corte, antecipando em sete dias a saída compulsória – uma iniciativa pessoal para facilitar questões burocráticas e administrativas referentes ao seu desligamento. Marco Aurélio chegou ao Supremo em 1990, indicado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, que é seu primo, mas a bordo de uma carreira pontuada por méritos e por atitudes firmes. Foi o primeiro integrante da Justiça do Trabalho a atuar no STF – e, às vésperas da aposentadoria, ele disse esperar que o presidente Jair Bolsonaro não repita a conduta adotada quando da aposentadoria do ministro Celso de Mello. Bolsonaro formalizou a indicação do substituto, ministro Nunes Marques, antes que Celso deixasse o tribunal.
– Eu espero que o presidente me respeite. Não tem motivo para açodamento. Será que ele já quer me ver pelas costas assim? Eu vou continuar com o mesmo ânimo de sempre até o final – reagiu Marco Aurélio. Numa entrevista às páginas amarelas de “Veja”, Marco Aurélio garante que não se arrepende de nenhum voto proferido nos umbrais da Casa que Bolsonaro, em rompantes de autoritarismo, ameaçou fechar. “É possível que tenhamos claudicado muito na arte de proceder e na arte de julgar, mas não fiz esse balanço. E, ao fim, depois que o Supremo bate o martelo, não se tem a quem recorrer”, explanou o decano, que tem fama de frasista sem rodeios e que emitiu votos considerados progressistas em matérias bastante controversas que agitaram sessões do Supremo Tribunal Federal. No fundo, para ele, os votos dados foram votos de consciência, plasmados no conhecimento que adquiriu da natureza e das peculiaridades do Direito, daí não ver motivos para autocrítica ou expiação.
Com muita frequência, Marco Aurélio Mello figurou na história do Supremo Tribunal Federal como o único voto divergente em julgamentos que ali foram materializados. Quando foi indagado sobre o que o diferencia, numa autoavaliação, dos demais ministros, foi incisivo: “Magistratura é opção de vida, e a coragem é a síntese de todas as virtudes. Com essa composição atual, sou um soldado que marcha em sentido inverso ao da tropa”. No que parece ser uma alusão a espetáculos promocionais patrocinados por integrantes da Corte em momentos decisivos da vida da nação, Marco Aurélio explicou: “Não ocupo cadeira voltada para relações públicas e não integro clube do bolinha, ou seja, não combino decisões”. Conta que houve uma proposta de um colega para que os ministros adotassem um procedimento em casos momentosos: eles se reuniriam, acertariam a solução para tal caso e apenas a formalizariam no plenário. “Eu disse ao colega: não integro teatro”.
Na entrevista a “Veja”, Marco Aurélio não se furtou a comentar – e criticar – o comportamento do presidente Jair Bolsonaro na pandemia do novo coronavírus. Não chega ao ponto de afiançar que o presidente Jair Bolsonaro deve ser responsabilizado pelas mortes verificadas no território nacional, mas entende que o chefe de governo poderia ter evitado algumas delas. “Eu aprendi pela educação que tive em minha casa que o exemplo vem de cima. E nesta época de pandemia não há campo para o negacionismo, para o faz de conta que não temos 460 000 mortos. Não é conveniente, portanto, para o Brasil, sediar a copa que a Argentina não aceitou. Não é hora de comemorar, mas de sanear o mal maior que acomete o Brasil”, frisou. Não obstante, o ministro evita engrossar o coro pelo impeachment do presidente da República. “Essa história de apear dirigente maior do país precisa acabar. A repercussão internacional é péssima”, diz, com franqueza.
Marco Aurélio lembra que em 2017, num seminário em Coimbra, teve que falar sobre a tendência mundial de eleger-se populistas de direita, e opinou que, a seu ver, é o pior tipo de populista. “Na ocasião, eu disse que temia pelo Brasil eleger para presidente da República o deputado federal Jair Bolsonaro, que fez a vida batendo em minorias. Foi eleito, agora vamos esperar as eleições de 2022. Nada de apeá-lo do poder. Que ele fique na vitrine para os eleitores perceberem quem é quem”. O ministro não vê risco de golpe de Estado no futuro próximo, mesmo com Bolsonaro flertando com frequência com ameaças desse tipo. “Eu atribuo as falas do presidente, assim como de um dos filhos do presidente, o Eduardo Bolsonaro, a arroubos de retórica. Não há campo para retrocessos”. (Eduardo Bolsonaro insinuou que um cabo e um soldado seriam suficientes para fechar o Supremo Tribunal Federal). Marco Aurélio diz ser preciso que os homens públicos e integrantes das Forças Armadas tenham a mesma percepção contra golpismos.
Uma das vozes mais respeitadas dentro e fora do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio considera que a operação Lava-Jato tem mais aspectos positivos do que negativos – e afirma que, sobre Sergio Moro, independente de não revelar seu voto sobre julgamento da sua suspeição, entende que o sistema não fecha. “Um herói nacional não pode se tornar execrado da noite para o dia”, é o que compreende. O ministro que está a ponto de se aposentar confessa dúvidas sobre segurança jurídica em relação a casos como a incompetência da Décima Terceira Vara de Curitiba para julgar os casos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E anuncia que espera a ocorrência de uma terceira via na eleição presidencial de 2022, por ser favorável à abertura do leque em termos de candidatos. “O STF está à altura do papel de guardião da Constituição?”, perguntou “Veja”. E Marco Aurélio, com a sabedoria que apreendeu, decretou: “É o tribunal que nós temos. Que cada ocupante do plenário perceba a envergadura de sua cadeira”.