Nonato Guedes
Na eleição presidencial de 2018, o petista Fernando Haddad e o presumível “outsider” da política Jair Bolsonaro enfrentaram-se no segundo turno em clima de acirrada polarização ideológica entre esquerda e extrema-direita. Bolsonaro saiu vitorioso graças à aglutinação de forças políticas periféricas que nutriam rejeição pelo petismo ou pela esquerda e, também, pela narrativa fantasiosa que construiu, centrada no combate à corrupção e à criminalidade. Essas bandeiras logo foram esquecidas pelo candidato vencedor uma vez encerrada a batalha eleitoral – e o governo Bolsonaro perdeu-se nos descaminhos da incompetência de gestão que tem sido oferecida ao país e ao mundo.
Como remanescente daquela disputa épica, que sinalizou um divisor de águas no cenário político-institucional brasileiro, cristalizou-se uma ideia: a do lançamento de uma alternativa de centro nos embates subsequentes pelo comando da presidência da República. A concertação política nesse sentido, agrupando nomes distintos e agremiações variadas, nem sempre afins em termos de princípios, tem sido agitada desde então e em paralelo tem se convertido em verdadeiro parto da montanha. Nomes de destaque na mídia vão e vem, são lançados e evaporam-se com rapidez impressionante, mal dando tempo ao eleitorado de refletir sobre a real necessidade ou não de uma mudança desse porte. E enquanto o impasse não é resolvido, bolsonaristas e petistas já duelam a céu aberto, desafiando os rigores do isolamento social recomendado para conter a evolução de casos de Covid-19.
Qual seria o perfil de um “candidato de centro” que pudesse empolgar setores formadores de opinião da sociedade que, por sua vez, tivessem condições de massificar um nome ou alguns nomes para tentar bater o PT e Bolsonaro? Diz-se que há um princípio ativo capaz de promover a união: a urgência da luta pela defesa da democracia contra manifestações autoritárias que recrudesceram com força na esteira do surgimento do bolsonarismo como nova força no cenário brasileiro. Este é um fato concreto, incontestável, que por si só, todavia, não tem o condão de coroar um rosto como o símbolo antimaniqueísta. Já desfilaram na passarela sugestões como o ex-ministro Sérgio Moro, que deixou a pasta da Justiça e da Segurança Pública atirando, o apresentador de televisão Luciano Huck, da Rede Globo, a empresária Luíza Trajano, dona de uma rede de magazines espalhada pelo Brasil. A eles se somam supostas alternativas como o governador de São Paulo, João Doria, que faz carreira política e está filiado ao PSDB, e “os de sempre”, como o ex-ministro Ciro Gomes, do PDT, que já foi testado em pleito presidencial e não conseguiu avançar, sequer, para o segundo turno.
A verdade é que o grande fato novo produzido na nossa conjuntura foi um elemento de polarização – o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à cena principal, reabilitado em seus direitos políticos por anulação de sentenças condenatórias impostas pela Justiça. Mais do que Haddad, Lula acirra a polarização política-ideológica brasileira, até pela circunstância de que ele volta inteiramente motivado, com sangue nos olhos, investido no papel de “justiceiro” para segmentos que não se identificam com o presidente atual ou se decepcionaram com o governo dele. Os expoentes da “terceira via” tentam fazer crer que a polarização entre Lula e Bolsonaro é um jogo combinado entre os dois para não abrir espaço para outras soluções. Na análise desesperadora que fazem, tais expoentes não levam em conta que o capitão e o petista são porta-vozes de sentimentos reinantes no âmago da sociedade, praticamente enraizados ou, pelo menos, á espera de uma prova dos noves, de um acerto sobre correlação de forças no recorte que se tem da paisagem institucional brasileira.
Para hoje, anuncia-se reunião em Brasília de partidos de centro e centro-esquerda para discutir alternativas à polarização entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula na eleição vindoura. Oito siglas estão confirmadas no encontro, que não deverá discutir nomes, mas uma agenda que possa construir, pelo menos, duas candidaturas em condições de viabilizar-se como a “terceira via”. O presidente do DEM, ACM Neto, ressalta que “o jogo não está jogado” e que, portanto, há espaços para uma campanha fora do eixo de polarização. Além dele, estão agendados para o “encontrão” dirigentes do MDB, PSDB, Cidadania, Novo, Podemos, PV, Solidariedade e PSL. “Depende de nós trabalhar uma saída mais equilibrada, buscar uma unidade mínima para a eleição presidencial do ano que vem”, resume, confiante, o presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, que perdeu a eleição a presidente da Câmara Federal para Arthur Lira, do PP, aliado de Bolsonaro.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, afirmou ao blog do Valdo Cruz, do G1, ter conhecimento de pesquisas mostrando 58% da população em busca de uma alternativa que não seja Bolsonaro nem Lula nas eleições do próximo ano. “A população quer um nome fora da polarização e há um clima favorável para se buscar um perfil que atraia o voto útil”, acrescenta Bruno Araújo. É uma luta incessante, nas condições atuais de temperatura e pressão, a mobilização pela chamada “terceira via” ou pelo nome de centro para o Planalto. Está sendo trabalhado um calendário de discussões e encontros de modo a possibilitar que se chegue em abril com um nome consolidado. É legítima essa articulação, que colabora para ampliar os espaços do jogo político democrático no Brasil. A dúvida é quanto aos reflexos da empreitada. Ou seja, se a “terceira via” é mesmo viável ou se não se corre o risco de a montanha parir um rato ao cabo de intermináveis debates que têm sido agitados nos últimos tempos.