Nonato Guedes
A cantora, compositora e atriz paraibana Elba Ramalho, que lutou com muito sacrifício para figurar no primeiro time da Música Popular Brasileira e coleciona premiações internacionais pela carreira consolidada em mais de quatro décadas, é uma artista cada vez mais incomodada com a polarização política e ideológica reinante no país. Essa polarização, como se sabe, tornou-se mais acentuada a partir das eleições de 2018 à presidência da República, quando a extrema-direita assumiu seu figurino, personificado na figura do capitão Jair Bolsonaro, e a extrema-esquerda fez-se representar pelo candidato do PT, Fernando Haddad. Com a perspectiva de retorno da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, o cenário já é de radicalização, impossibilitando espaços para uma opção de centro, a chamada “terceira via”.
O fogo cruzado deixa Elba Ramalho numa situação desconfortável, quando é cobrada a se posicionar em entrevistas ou manifestações públicas. Na entrevista que concedeu a Otaviano Costa para o UOL, a cantora renegou os extremos, fugiu de cobranças ou de patrulhamento e confessou sua indiferença pela política, exemplificando com um simbolismo: “rasgou” o seu Título de Eleitor há muitos anos. É uma atitude coerente com o perfil da artista de não-engajamento político-partidário-ideológico. Para seus detratores, o perfil de Elba é de direita e de ideologia conservadora, reforçado por convicções católicas que ela tem professado. Isto não apaga a trajetória artística vitoriosa de Elba Ramalho e, ao que parece, também não afeta seu prestígio no território onde se sente realmente à vontade – o palco. A esta altura, com o avançar do caminho que percorreu desde a década de 80, a paraibana de Conceição não parece preocupada em filiar-se a correntes que se alternam na mídia.
Registre-se que a postura de neutralidade aparente demonstrada por Elba Ramalho acarretou-lhe inúmeras polêmicas, alimentadas por declarações infelizes sobre temas candentes da conjuntura nacional. Mais recentemente ela esteve no foco por insinuar que a epidemia de covid-19 fora criada pelos comunistas, na China, para perseguir e destruir os cristãos. Tratou-se de uma suposição infundada, sem nenhum respaldo científico ou acadêmico, o que aproximou Elba da postura negacionista assumida pelo presidente Jair Bolsonaro, autor do conceito de que a doença não passava de uma gripezinha e possivelmente o mandatário que mais demorou, em todo o mundo, a tomar providências para proteger a população contra o alastramento do vírus. Criticada com veemência pela opinião abstrusa que emitiu, Elba pediu desculpas e repetiu o chavão de que a frase fora tirada de contexto de assertivas que proferiu sobre temas polêmicos.
Aliás, Elba, no começo do governo de Jair Bolsonaro, chegou a ser convidada pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, a participar de um ambicioso programa social que, segundo lhe disseram, seria tocado pelo ministério da Família, empalmado por Damares Alves, uma figura controversa, entre tantas, no desenho do governo do capitão. Fustigada por artistas como a cantora baiana Daniela Mercury e o ator José de Abreu (este assumidamente lulista e petista), Elba acabou recusando o convite, alegando compromissos na sua agenda, que antes da pandemia era repleta de shows, principalmente no Nordeste, onde estão suas raízes. Agora, no São João virtual em Campina Grande, Elba é convidada oficial da prefeitura, pilotada por Bruno Cunha Lima (PSD), para uma live, em companhia do “fenômeno” Juliette Freire, a conterrânea vencedora do BBB 21.
As ligações de Elba com o grupo Cunha Lima, que tem como expoente maior na Paraíba o ex-governador Cássio, filho do também ex-governador Ronaldo, sempre foram exploradas pelos detratores da cantora para carimbá-la no cenário de onde ela foge. Na prática, Elba já foi atração contratada pelo poder público em eventos juninos nas gestões de Wilson Braga (PFL), José Maranhão (MDB) e Ricardo Coutinho (PSB). O critério levado em consideração foi eminentemente profissional, independente de Elba ter criado, ou não, laços afetivos ou de amizade com qualquer gestor ou político. Nada repercutiu tão negativamente para Elba, porém, quanto a sua posição crítica diante do projeto de transposição das águas do rio São Francisco, “vendido” à opinião pública como a redenção do semiárido nordestino. Ela chegou a ser considerada uma apátrida no Nordeste e teve compromissos e patrocínio cancelados. Justificou as declarações definindo-se como ecologista, integrante de ONG focada no meio ambiente e revelando inquietações com a preservação natural no projeto da interligação de bacias.
Em tese, Elba paga por ter cão e por não ter cão – ou seja, por se posicionar e por não se posicionar. No fundo, o que ela gosta, mesmo, é de ser reconhecida pelo seu talento como artista e como uma divulgadora do Nordeste – mas sabe que a fama cobra um preço, e, volta e meia, a fatura lhe bate à porta. Quando não é por posições políticas, é por gestos pessoais polêmicos, como se deu quando alugou a casa em Trancoso, na Bahia, e os locatários fizeram festa e aglomeração, com farta exposição na mídia. O caso não poderia pegar bem, é evidente. Em termos políticos, pouco se lembra o libelo que Elba proferiu ao gravar a música “Nordeste Independente”, de Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova, quando bateu forte nos políticos, nos “donos do poder”, acostumados a explorar a boa fé do povo nordestino, prometer soluções e nunca resolver nada. Esta parece ser uma das raras manifestações engajadas de Elba, uma artista que foge de rótulos como o Diabo foge da Cruz.