Nonato Guedes
As festas juninas, tradicionais em cidades do Nordeste brasileiro, estão tendo que se adaptar, pelo segundo ano consecutivo, às restrições causadas pela pandemia do novo coronavírus que assolou o mundo inteiro. Em Campina Grande, segunda cidade da Paraíba, situada no Agreste, o colorido de shows artísticos, com fogueiras e atrativos oriundos da inventividade popular, foi substituído por “lives” com cantores renomados e celebrações no formato virtual, geralmente transmitidas pela internet e repercutidas nas redes sociais. Ali, na década de 80, o poeta e prefeito Ronaldo Cunha Lima alavancou o turismo da Paraíba ao massificar a realização do “Maior São João do Mundo”, com duração de 30 dias e presença de milhares de pessoas, procedentes de diferentes regiões do Brasil e do exterior.
A importância social e econômica do empreendimento é indiscutível, reforçada pela rivalidade alimentada pelos campinenses com a cidade de Caruaru, no vizinho Estado de Pernambuco, que também realiza festividade de grande porte. Historiadores de Campina atribuem o sucesso do São João ao perfil “festeiro” dos moradores da cidade. Na verdade, o evento tornou-se uma bem-sucedida combinação da iniciativa popular com o incentivo do poder público. Antes de Ronaldo, no final da gestão do prefeito Evaldo Cruz, o embrião do que viria a ser o maior São João do Mundo era um “palhoção” que congregava os eventos disponíveis. A partir da construção do Parque do Povo e da Pirâmide a festa deslanchou de modo extraordinário, passando a figurar, obrigatoriamente, no topo do calendário turístico do Estado e do Nordeste.
Num livro biográfico sobre Ronaldo Cunha Lima, que morreu em 2012 aos 76 anos de idade, após cumprir jornada de meio século de atuação marcante na vida pública local e nacional, o historiador José Octávio de Arruda Mello credita ao poeta e à sua equipe a ideia de implantação de centros de lazer e cultura regionais dos mais expressivos, capaz de tornar-se atração permanente se combinado com eventos próprios da cultura interiorana do Nordeste. Nasceu daí o aproveitamento de área semi-urbanizada onde foi construído o Parque do Povo, dotado de equipamentos típicos de amplo centro de lazer e conviver, coincidindo com a revitalização das festas juninas, enfeixadas no evento de 30 dias. “O sucesso dos Parque do Povo e Maior São João do Mundo despertou o Nordeste para seu patrimônio cultural e turístico, disseminando-se o exemplo por vários Estados da região”, anotou José Octávio em seus apontamentos.
A filosofia predominante, que ganhou expressão era a de que, também no interior nordestino, se poderia associar cultura e turismo, a exemplo do que vinha sendo feito no litoral. Quando da inauguração do Parque do Povo, associado à primeira edição de O Maior São João do Mundo, em 1984, Campina Grande recebeu aproximadamente 200 mil visitantes. Daí para a frente, com o do ano seguinte inserindo-se nos festejos do IV Centenário da Paraíba, o evento foi-se consolidando e se tornou um dos mais significativos patrimônios da cidade. “O efeito dessa iniciativa ultrapassou todas as expectativas. Campina Grande, antes conhecida como Capital do Trabalho, passou a ser a Capital do forró, onde, a cada ano, vêm se divertindo pessoas de todas as regiões do Brasil, em cenário praticamente a céu aberto. Neste, vigoram facilidades de infraestrutura, alimentação, segurança, saúde e deslocamento bem concebidas e conduzidas”, pontuou José Octávio.
Ronaldo Cunha Lima foi um dos líderes populares mais destacados da política paraibana, impondo-se pelo carisma e pela verve poética imortalizada em inúmeros livros que ainda hoje repercutem e atraem estudiosos da cultura. Eleito prefeito de Campina Grande, em 1968, ele se demorou poucos dias à frente da prefeitura, vítima de cassação arbitrária imposta pelo regime militar instaurado em 1964. Nesse ínterim, sobreviveu no Sul do País, entre Rio e São Paulo, atuando em escritórios de advocacia e ganhando espaços em programas de televisão onde declamava versos do poeta paraibano Augusto dos Anjos. Voltou nos braços do povo à prefeitura campinense em 1982, para cumprir mandato de seis anos, já que havia sido instituída a prorrogação de mandatos. Da prefeitura saltou para o governo do Estado, elegendo-se ainda deputado federal e senador e passando o bastão ao filho Cássio, também prefeito por três vezes, governador em duas ocasiões, senador e deputado federal.
Assinala José Octávio de Arruda Mello que “a partir do sucesso do Maior São João do Mundo foi possível adotar, ou pelo menos, tratar mais seriamente o calendário turístico do Estado, com significativo subsídio (reforço) de Campina Grande. Nesta, outros eventos foram criados e fortalecidos, como os Festival de Inverno, Congresso da Nova Consciência no carnaval e Vaquejada do Parque Maria da Luz, além da “Micarande”, que também ganhou repercussão além-fronteiras. O segredo de Ronaldo foi saber “explorar” o potencial da arte e da criatividade do povo campinense, canalizando suas energias para festas que proporcionam geração de renda e incremento de emprego numa cidade marcadamente vocacionada para o crescimento econômico. A lembrança de Ronaldo é perene, sobretudo nesta fase em que não há o “Maior São João do Mundo” no seu formato original. Adeptos da festa em diferentes partes do mundo aguardam, com ansiedade, o retorno da normalidade, para voltar a compartilhar o colorido dos balões juninos na Rainha da Borborema.