Nonato Guedes
Nas eleições presidenciais de 1989, que marcaram a restauração democrática plena no Brasil após 21 anos de ditadura militar, seguindo-se à elaboração da Constituição-Cidadã, como Ulysses Guimarães denominou a Carta de 1988, o então senador Mário Covas concorreu pelo PSDB e tentou se viabilizar como ‘terceira via’ no processo político-institucional, quebrando polarização que havia sido detectada nas pesquisas de intenção de voto, opondo Fernando Collor de Mello, o “ex-caçador de marajás” a Luiz Inácio Lula da Silva, este representando a esquerda sob o pálio do Partido dos Trabalhadores. No papel de presumido candidato de centro, Mário Covas, que havia resistido no MDB à ditadura e se tornara um reformista na redemocratização, chegou a pregar um “choque de capitalismo”, em mensagem calculada para atrair segmentos do empresariado refratários ao maniqueísmo esquerda-direita.
Político digno, que se destacou à frente do governo de São Paulo, Mário Covas ficou no meio do caminho, imprensado entre Collor e Lula, que galvanizaram as atenções de um eleitorado sequioso por novidade, depois de duas décadas de jejum forçado de cidadania e direitos políticos. O pleito presidencial de 89, memorável, aglutinou pelo menos vinte candidatos, entre eles condestáveis da história política vigente como Leonel Brizola, Aureliano Chaves e Ulysses Guimarães. Inscreveram-se, também, candidatos folclóricos, como um certo doutor Enéias Carneiro, disputando a vaga por um tal Prona-Partido da Reedificação da Ordem Nacional, que ficou célebre pelo pouquíssimo tempo de propaganda no Guia Eleitoral, no rádio e na televisão, de tal forma que adotou o bordão “Meu nome é Enéias” para tentar fixar-se no imaginário popular, compensando-se do raquitismo que lhe coube na propaganda. Collor foi para o segundo turno, onde bateu Lula com 35.089.998 contra 31.076.364 de Lula. Enéias acabou superando o doutor Ulysses em votos, numa das maiores injustiças contra o “Senhor Diretas”.
A partir de 2018, com a vitória de Jair Bolsonaro (então PSL) contra Fernando Haddad (PT), cristalizou-se nos meios políticos intermediários do quadro nacional a ideia de que a construção de uma ‘terceira via’ seria viável como contraponto à polarização direita-esquerda. Ainda há tentativas de investimento na tese para o pleito de 2022, mas partidos e pretensos candidatos batem cabeça sem obter, sequer, um consenso entre eles, quanto mais sensibilizar o eleitorado para esse projeto. Um levantamento do site “Poder360”, comparando resultados de oito eleições presidenciais, de 1989 para cá, mostrou que a ideia de ‘terceira via’ tem muito de “wishful thinking”, quando se confunde desejo com probabilidade real, e quase nada de conexão com a realidade do país. Nunca houve uma ‘terceira via’ para valer no Brasil, no sentido do que alguns agrupamentos buscam hoje, com candidato de centro e fora da polarização.
A compilação dos resultados de oito eleições com dados do TSE e da página “Políticos do Brasil” trouxe como resultado um histórico desfavorável para que se tenha um terceiro candidato competitivo à presidência da República, representando segmentos do chamado centro político. A experiência recente sinaliza ser improvável que surja um nome capaz de tirar as vagas de Lula ou de Bolsonaro do segundo turno. A eleição de 1989, conforme o site, foi a única com um terceiro candidato competitivo desde a redemocratização, mas “Poder360” recapitula que aquele foi um pleito solteiro, apenas para presidente da República – situação diferente da atual, quando candidatos a presidente, deputado federal, deputado estadual, senador e governador fazem campanha ao mesmo tempo e são votados no mesmo dia.
Em 89, a esquerda chegou a se dividir entre Luiz Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola (PDT). A ‘terceira via’ daquela disputa teria sido, então, o tucano Mário Covas, já falecido, mas ele fracassou e ficou mais atrás, em quarto lugar, sem nunca ter tido chances reais de vencer. Leonel Brizola ficou em terceiro lugar, e fora do segundo turno, mas apenas 0,7 ponto percentual atrás de Lula. Conforme o site, seria incorreto dizer que o pedetista era a ‘terceira via’ em 1989, levando-se em consideração que Brizola e Lula disputavam a mesma faixa do eleitorado de esquerda, como indicaram sucessivas pesquisas de intenção de voto e levantamentos de tendência. Não deixa de ser notável, entretanto, que a eleição de 89 tenha sido a única das 8 disputas diretas pós-ditadura em que a diferença entre o segundo e o terceiro candidatos ficou abaixo de 5 pontos percentuais. No primeiro turno, Lula teve 17,2% dos votos válidos contra 16,5% de Leonel Brizola.
Na eleição seguinte, em 1994, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) surfava na popularidade do Plano Real, que reduziu a inflação no país, e conseguiu se eleger no primeiro turno. O levantamento do “Poder360” mostra que o ano de 1994 marcou o início para valer da polarização entre PT e PSDB, que perdurou na política brasileira até a disputa de 2014, sendo quebrada em 2018 com a emergência de Jair Bolsonaro por um partido então inexpressivo. Em 98, a primeira disputa após ter sido aprovada a possibilidade de reeleição, Fernando Henrique venceu no primeiro turno de novo e Lula, outra vez, ocupou a segunda colocação. O auge da polarização PT-PSDB foi em 2006, quando o governo Lula vinha de forte desgaste por causa do escândalo do mensalão, que havia estourado no ano anterior. Mesmo assim, o petista ficou na frente no primeiro turno e foi eleito no segundo turno. No cenário das eleições para 2022, uma pesquisa do Poder Data mais recente mostra o ex-presidente Lula empatado na margem de erro com Bolsonaro, nas intenções de voto para o primeiro turno. Lula teve 31% das intenções de voto, contra 33% de Bolsonaro. O terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT) está mais de 20 pontos atrás de Lula e Bolsonaro. A polarização parece sólida, salvo fator excepcionalíssimo…