Nonato Guedes
É dura a vida do ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), desde que concluiu o segundo mandato à frente do executivo local, sobretudo a jornada que empreende para sobreviver no cenário político, em que se projetou no passado. A forma humilhante com que ele se porta diante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT para tentar “escapar” na vida pública, depois de ter sido derrotado em 2020 no projeto para voltar à prefeitura de João Pessoa, é um capítulo que contrasta com a fase áurea em que Coutinho era cortejado como “líder emergente” e arauto de uma ‘revolução’ radical no quadro de poder na Paraíba, tratorando antigas oligarquias que se perpetuaram, ainda que precisasse se compor com algumas delas para adquirir cacife para depois destruí-las ou, pelo menos, vulnerá-las.
Todo o empenho de Ricardo, na atual conjuntura, está focado na obsessão de dispor de um mandato nas eleições de 2022, a fim de se tornar usufrutuário da chamada “imunidade parlamentar” e do ambicionado foro privilegiado, prevenindo-se contra golpes iminentes na esteira da Operação Calvário, que trata de desvio de recursos da Saúde e da Educação no Estado, e de pendências judiciais que remanescem de campanhas eleitorais pretéritas, das quais participou, como a de 2014, para reeleição ao governo estadual. Após deixar o Palácio da Redenção, Ricardo chegou a ser preso, passou por audiência de custódia, vive às voltas com medidas judiciais restritivas (incluindo o uso de tornozoleira eletrônica), desgastou-se como campeão de votos e, ultimamente, tornou-se inelegível para o pleito do próximo ano. É um contencioso e tanto para ser equacionado – e no afã de conseguir equacioná-lo Ricardo apega-se a todos os santos enquanto tenta exorcizar demônios, fazendo qualquer negócio para fugir do ostracismo, de quem tem pavor absoluto.
No início dos anos 2000 Ricardo foi praticamente “expulso” do PT como “infiel” e “personalista”, depois de fomentar uma das maiores confusões da história do Partido dos Trabalhadores na Paraíba e de disparar petardos explosivos contra a legenda que lhe havia dado régua e compasso para ser vereador por João Pessoa e deputado estadual. O pivôt do desaguisado foi a ambição de Ricardo em concorrer à prefeitura da Capital. Perdeu a indicação em disputas internas e “cristianizou” a candidatura oficialmente lançada, a do ex-deputado Luiz Couto. Com isso, caiu em desgraça, mas deu a volta por cima e se elegeu, finalmente, prefeito, ancorado no PSB, onde ingressou arrombando portas e desalojando figuras como a ex-deputada e advogada criminalista Nadja Palitot. O resto foi deslanche: reeleição a prefeito, vitória para governador, reeleição ao governo. Até que veio a orfandade política, a ausência de mandato, a perda de prestígio e, o que foi pior, o salto acrobático das páginas do noticiário político para as páginas do noticiário policial.
Ricardo protagonizou, na sua trajetória, um vai e vem alucinante, que aparentemente soube suportar com estoicismo e autoconfiança inexcedível. Figura-chave para a eleição de João Azevêdo em 2018 à sua sucessão, quis mandar no governo, agindo como se tivesse “emprestado” a cadeira ao antigo aliado. Contrariado nas suas pretensões de mandonismo, movimentou-se em várias frentes para atrapalhar o andamento da gestão que fora decantada em palanque como a continuidade de um modelo inovador de administração no Estado. Aí, começou a ser alcançado pelos tentáculos da Operação Calvário e manobrou, em tática de desespero, para preservar o comando da legenda socialista, efetuando “razzia” focada na destituição de aliados de Azevêdo de postos estratégicos e amplificada no próprio afastamento do governador das esferas de decisão. Possivelmente não contava com a reação fulminante do sucessor, que em pouco tempo se desfiliou do PSB e levou agrupamento expressivo para um novo partido, o Cidadania, cujo teste se deu nas eleições de 2020, com relativo sucesso.
Tinhoso, Coutinho perseverou na única estratégia que lhe parecia ao alcance da mão: reaproximar-se do PT, principalmente da sua liderança maior, o ex-presidente Lula, a quem fora solidário quando ainda estava no governo paraibano. A esta altura, a influência de Ricardo começou a ser minada dentro do PSB, cuja cúpula nacional não mais lhe deu importância. O feito mais surpreendente de Ricardo, em plena maré de fastígio político, foi atrair o ex-presidente Lula para declarar-lhe apoio na campanha a prefeito de João Pessoa em 2020, mesmo com o PT tendo candidato próprio, que era o deputado Anísio Maia. A solidariedade de Lula não teve o condão, porém, de ressuscitar politicamente o ex-governador e líder dos “girassóis”, que amargou posição decadente no mapa eleitoral da sucessão de Luciano Cartaxo (PV).
O futuro político de Ricardo é uma incógnita sob todos os ângulos pelos quais se analise a sua trajetória ou a sua perspectiva. Ele nunca morreu de amores pelo Senado, tendo desdenhado, mesmo, da relevância do papel da Casa Legislativa. E se lhe fosse dada uma varinha mágica capaz de transformar desejos em realidade rogaria ao povo que lhe devolvesse à cadeira de governador, com a qual demonstrou intimidade e afinidade. Mas com a pedra da inelegibilidade no meio do caminho e o desafio de removê-la com urgência urgentíssima, vai reduzindo a escala de ambições e, para todos os efeitos, cogita concorrer à única vaga de senador, fiando-se na estratégia de Lula, que motivadíssimo para retomar o Planalto, investirá numa boa bancada federal para dar-lhe suporte no Congresso em caso de vitória. A propaganda massificada na mídia dá conta de que “sonhos não envelhecem”. Ricardo tem sido castigado pelos sulcos da idade, mas não perdeu a lucidez nem o maquiavelismo político. É pena que tenha que pagar um preço muito alto para tentar sobreviver: o da rendição ou humilhação a Lula e ao PT. Um enredo melancólico, mesmo que os sortilégios da política e do meio jurídico lhe dêem a chance de conquistar um mandato. No seu caso, será o mandato mais “mendigado” de que se tem notícia na história política regional.