Nonato Guedes
Se não houver contratempo será protocolado no próximo dia 30 na Câmara Federal, em Brasília, o chamado “Superpedido” de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), firmado por lideranças políticas de esquerda, centro e direita, bem como por representantes de movimentos sociais, entidades e estudantes. A expectativa é de que a apresentação do documento seja acompanhada de ato político e que o “Superpedido” consiga produzir efeitos, na contramão das centenas de requerimentos pontuais que têm sido engavetados pela presidência da Câmara, desde a gestão de Rodrigo Maia, ex-DEM, continuando, ainda agora, com o dirigente Arthur Lira (PP-AL). O “Superpedido” chega lastreado por sucessivas manifestações de rua que pregam o “Fora, Bolsonaro” e pelo derretimento da popularidade do mandatário.
Na verdade, como noticia a mídia sulista, o pedido de impeachment, com caráter suprapartidário, vem sendo construído desde abril. A ideia é que a peça, ainda em elaboração, reúna mais de 20 crimes de responsabilidade atribuídos ao presidente, principalmente relacionados à sua forma de lidar com a pandemia do coronavírus, que já tinham sido mencionados nos mais de 100 pedidos de afastamento do mandatário protocolados na Câmara Federal. No primeiro encontro de políticos destinado a discutir o “superpedido” de impeachment, estiveram presentes, além de deputados de esquerda, ex-bolsonaristas e parlamentares de direita, como Joice Hasselmann (PSL-SP), Alexandre Frota (PSDB-SP) e Kim Kataguiri, do DEM-SP. Todos concordaram com a unificação dos mais de 100 pedidos de impeachment para pressionar a Câmara a iniciar o procedimento de afastamento de Bolsonaro.
O coordenador da Central de Movimentos Populares, uma das signatárias da peça, Raimundo Bonfim, afirmou à revista “Fórum”: ‘Este será o pedido de impeachment das ruas, que será apresentado no calor e com o apoio das grabndes mobilizações de 29 de maio e 19 de junho”. As lideranças partidárias e entidades que encabeçam o pedido esperam que a sua apresentação fortaleça as manifestações contra Bolsonaro que estão programadas para o dia 29 próximo. Ao mesmo tempo, a pressão pela saída do presidente da República vem ainda na esteira do avanço das investigações da CPI da Covid no Senado, da revelação de um provável caso de corrupção no governo envolvendo a vacina indiana Covaxin e também a disparada na desaprovação do titular do Planalto, apontada na quinta-feira em pesquisa do Ipec. Instituições como a Associação Brasileira de Imprensa e União Nacional dos Estudantes dão pleno apoio ao “superpedido” de impeachment.
Analistas políticos indagam se o “escândalo Covaxin” é o que faltava para o impeachment de Bolsonaro – e apostam fichas em que seja, realmente, o fator determinante, identificando gravidade nas revelações de que o presidente deu aval para a compra da vacina com 1.000% de ágio. A negociação teria sido intermediada por uma empresa que é acusada de corrupção no Ministério da Saúde, na gestão de Ricardo Barros, autor da emenda que permitiu a importação. Fala-se em fator decisivo porque a análise dominante é a de que já são inúmeros os casos de omissão, negligência e de irregularidades por parte do governo federal no processo de enfrentamento à pandemia de coronavírus no Brasil. Infelizmente tais casos não foram suficientes para sensibilizar dirigentes do Congresso, muito menos o barulho das manifestações de rua e dos protestos agitados cotidianamente em redes sociais. Pelo sim, pelo não, as apostas estão sendo canalizadas para esse “superpedido”.
No que diz respeito à pesquisa do Ipec, novo instituto da estatística Márcia Cavallari, ex-Ibope, os percentuais revelam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceria a eleição presidencial no primeiro turno, com 49% dos votos, caso o pleito fosse realizado ontem, dia 25. Não é só o derretimento da popularidade do presidente que favorece a reascensão do líder petista, mas a inviabilidade de surgimento de uma possível “terceira via” para fazer frente à polarização entre esquerda e direita no cenário institucional brasileiro. Com 49% das intenções de voto, Lula tem mais que o dobro de Bolsonaro, que figura na segunda colocação com distantes 23%. Ciro Gomes, do PDT, patina no páreo com 7%, o que, ainda assim, lhe garante a terceira colocação. João Doria (PSDB) soma 5% e Luiz Henrique Mandetta (DEM) 3%. Nesse cenário, a soma de todos os adversários chega a 38%, onze pontos percentuais atrás de Luiz Inácio Lula da Silva.
O Ipec adianta que Lula lidera em todos os segmentos do eleitorado e começa a ampliar sua penetração por regiões distintas do país. No Nordeste, ele soma 63% das intenções de voto, 48 pontos à frente de Bolsonaro, e mesmo no sul o petista vence Bolsonaro por 35% a 29%, enquanto no Sudeste, onde se concentram os maiores colégios eleitorais do país, como São Paulo e Minas Gerais, o ex-presidente tem 47% contra 24% do atual mandatário. Enquanto a rejeição ao nome de Lula diminuiu 8 pontos percentuais, os números em relação a Bolsonaro fizeram o caminho contrário: em fevereiro, 56% diziam que não votariam nele de jeito nenhum; hoje, já são 62%. Entre aqueles que votariam com certeza ou poderiam votar, o índice caiu de 38% para 33%. As manifestações contra Bolsonaro configuram uma estratégia para fazê-lo sangrar eleitoralmente caso não prospere o impeachment. Mas a oposição, que está bastante motivada, acredita ter cacife para encurralar o mandatário em qualquer cenário que ele venha a combater. O “Superpedido” é mais um foco de desgaste do capitão.