Nonato Guedes
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não esconde que está em absoluto “estado de graças” com as sucessivas vitórias que tem acumulado este ano, principalmente na seara da Justiça, o “front” que escolheu com prioridade para reabilitar sua imagem depois de ficar preso por 580 dias na superintendência da Polícia Federal em Curitiba e assistir, perplexo, a uma pilha de processos que intentaram incriminá-lo com denúncias de corrupção. Essas acusações têm sido desmontadas em meio a um revisionismo judicial sem precedentes na história brasileira. Lula recuperou o direito de elegibilidade, podendo ser candidato a presidente em 2022, teve a confirmação da declaração do ex-juiz Sergio Moro como parcial nos processos agitados contra ele e, fechando o firo, lidera pesquisas de intenção de voto para o próximo ano, proporcionalmente ao derretimento da popularidade do presidente Jair Bolsonaro.
Não é apenas Lula. O PT e os lulopetistas estão em êxtase com essa reviravolta protagonizada na trajetória do ex-mandatário, sinalizando perspectivas de “céu de brigadeiro” para quem passou uma temporada envolto em inferno astral. As vitórias em cascata possibilitaram a Lula retomar a polarização com Jair Bolsonaro para a disputa eleitoral de 2022 ao Planalto, fechando os espaços para aventuras “de centro” que tentaram se firmar no vácuo da indefinição do segmento de esquerda dentro da conjuntura política-institucional brasileira. O apresentador de televisão Luciano Huck, que buscou posar de alternativa à polarização, preferiu não trocar o certo pelo duvidoso e renovou contrato com a Rede Globo, fugindo da raia eleitoral em que pretendia mergulhar de ponta-cabeça. João Doria, governador de São Paulo, do PSDB, patina em pesquisas de opinião pública, Sergio Moro, o outrora herói nacional, tenta sobreviver no exterior, Flávio Dino, o comunista do Maranhão, bandeou-se para o PSB e trocou o figurino de presidenciável pelo de candidato a senador, e outros aspirantes à “terceira via” sumiram. Ainda tenta pelejar no circuito o ex-ministro Ciro Gomes, em declínio acentuado.
Lula e os petistas não descartam a possibilidade de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro, como consequência de graves revelações que começaram a surgir no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado Federal, já envolvendo crimes de prevaricação e crimes de responsabilidade na estratégia de enfrentamento à pandemia do coronavírus. A CPI, por mais que pareça um “circo” na opinião dos aliados de Bolsonaro, tem produzido estragos de monta na imagem de Bolsonaro e do governo que ele ainda conduz. Ministros da copa e cozinha de Bolsonaro começam a cair em meio ao vazamento de informações da CPI e ao bombardeio contra o Palácio do Planalto. O presidente, por sua vez, está cada vez mais irritadiço, destemperado, agressivo, revelando incapacidade psicológica para liderar o que restou do governo e para reagir diante de bombas de alto teor explosivo despejadas sobre sua cabeça.
Lula, enquanto isso, é só alegria, colhendo, com júbilo, frutos de reparações de decisões judiciais que o molestaram e o privaram da liberdade de ir e vir no Brasil depois de ter ocupado a presidência da República por dois mandatos. Em recente desabafo, que ganhou destaque nas redes sociais, o ex-presidente confessou: “Hoje eu ando de cabeça erguida na rua. Tenho certeza que o Moro e o Bolsonaro não. O povo sabe que o Brasil era melhor quando eu governava esse país”. No revanchismo natural que destila, diante do que passou, Lula avalia: “Uma mentira foi eleita presidente da República e o povo está comendo o pão que o diabo amassou. Se Deus simboliza o amor, a fraternidade e a bondade, Bolsonaro não pode ser enviado de Deus. Se foi é castigo. Precisamos lutar porque Deus ajuda, mas a gente tem que fazer a nossa parte também”.
E mais: “Não acredito em um cristão que utiliza o nome de Deus em vão. Inclusive se o Bolsonaro acreditasse em Deus ele não mentia tanto, não pregava tanta discórdia, tentando tirar proveito da fé do povo evangélico. Deus tá vendo tudo que a gente faz. Quem fala mal das pessoas que lutam por justiça social não conhece a história de Jesus Cristo. Foi Jesus quem mais brigou pelos pobres, quem mais defendeu aqueles que mais precisavam. E foi crucificado pelo que ele representava. As religiões precisam se respeitar. Precisamos construir um país de paz e não de ódio. O povo está precisando de emprego, de salário, de livro, e não de arma. Às vezes, o sofrimento aumenta a nossa fé. E tenho certeza que o povo brasileiro vai dar uma lição de moral nos milicianos do Bolsonaro”. Esse libelo de Lula tem sido veiculado como mantra por lulistas, petistas e bolsonaristas arrependidos.
Com o talento político que possui, o ex-presidente Lula aproveita todos esses episódios para investir em dois pontos: na sua própria condição de vítima de injustiças e no seu discurso de que é o melhor nome para liderar a nação na travessia que precisa ser empreendida, inclusive para fazer frente às crises sanitária, econômica e social que penalizam duramente a população brasileira. Faz parte da coreografia de Lula relembrar os momentos difíceis na prisão, as origens humildes em que se forjou a sua trajetória, a “provação de fé” a que foi submetido durante 580 dias de recolhimento a uma sala da Polícia Federal. Um ponto é indiscutível e precisa ser realçado: a demonstração de resiliência por parte de Lula da Silva. “Sempre segui com a fé de que eu ia provar as mentiras contra mim”, assinala o ex-presidente. É a síntese da sua jornada, da obstinação em exorcizar demônios e voltar para o primeiro plano da política nacional, como, de fato, já voltou. Enquanto Bolsonaro desce ao inferno, Lula vira quase unanimidade nacional. É a dinâmica – da política e da História.