Nonato Guedes
A palavra de ordem, hoje, entre governadores de Estados e Distrito Federal é avançar na vacinação contra a Covid-19 na expectativa de capitalizar dividendos na disputa eleitoral de 2022, quando alguns vão concorrer à reeleição e outros disputarão mandatos legislativos, havendo quem sonhe com a própria presidência da República, como João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS). Uma matéria da revista “Veja” salienta que os governadores tentam, igualmente, reforçar o estrago produzido pela política negacionista do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Além de ter demorado demais na estratégia de imunização, o governo de Bolsonaro está às voltas com denúncias graves de irregularidades, vazadas do âmbito de uma incômoda “CPI do Genocídio”, como é denominada pelos opositores, e que se acha instalada no Senado.
A vacinação, além de ser um antídoto eficaz contra a pandemia de coronavírus, tornou-se prioridade para a população em caráter de urgência urgentíssima à medida que eclodiram problemas de logística do governo de Jair Bolsonaro para a sua deflagração em massa no Brasil. Não por acaso, foi a relutância do governo federal em apoiar a CoronaVac, aliada ao desprezo pelas ofertas da Pfizer, o fator explosivo na fase inicial dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito. A posição de Bolsonaro na questão agravou-se com as recentes e estarrecedoras revelações de prevaricação quanto à compra de imunizantes e indícios de manobras para superfaturamento de preços, criando um caldo de cultura que só tem contribuído para redobrar a estridência do coro pelo impeachment do presidente da República, diante da configuração de crimes de responsabilidade, agora envolvendo a vacina indiana “Covaxin”.
No que diz respeito à vacinação propriamente dita, pesquisa do Instituto Datafolha demonstrou que mais de 90% de brasileiros querem, sim, receber as agulhadas, tal é o sentimento de confiança dominante quanto à atuação da Ciência, que tem sido desmerecida, senão por ministros da Saúde, seguramente pelo presidente da República, transformado, durante algum tempo, em garoto-propaganda de medicamentos sem eficácia comprovada, a exemplo da hidroxicloroquina, que consumiu acirrados debates junto à comunidade nacional e internacional de especialistas. Claro que a imunização também provoca embates políticos, um dos quais opondo o governo de São Paulo ao governo de Bolsonaro. O pivôt foi a estratégia anunciada pelo governador João Doria de adiantar o calendário de vacinação, o que foi entendido pelo Planalto e pelo ministro Marcelo Queiroga como uma crítica ao Plano Nacional de Imunização.
Doria é reconhecido, até por governadores de partidos adversários, como “pai da vacina”, conforme o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), a ele se referiu – e é fato que até hoje, ainda, a CoronaVac responde por mais de 50% das doses aplicadas no país. A vacina chinesa é fabricada em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, e Bolsonaro fez de tudo para tentar desacreditá-la, inutilmente, ao mesmo tempo em que fechou canais diplomáticos que seriam extremamente úteis para fazer avançar a vacinação da população brasileira. O preconceito e a má vontade do presidente da República para com o imunizante que leva, em parte, selo brasileiro de qualidade constituíram, sem dúvida, capítulos profundamente negativos da “briga do bem” que se julga estar em curso no território brasileiro.
Na falta de uma articulação nacional – que desde o começo era desejável – para fazer deslanchar a imunização no país, governadores e prefeitos continuam recorrendo a malabarismos para ter acesso ao maior número possível de doses, em tempo recorde, de modo a suprir a defasagem que ainda prejudica a posição brasileira no ranking mundial de vacinação e de outras medidas eficazes de combate à covid-19. Primeiro, foram os consórcios criados por alguns Estados, inclusive na região Nordeste, para negociar diretamente na fonte a compra de vacinas. Na sequência, com a corrida do próprio governo federal para fazer face às cobranças, surgiram arraiais de vacinação, espécie de mutirões que se estendem horas a fio e mobilizam múltiplas equipes em diferentes regiões. Graças a essas iniciativas, pelo menos dez Estados tiveram projeções adiantadas em relação ao Ministério da Saúde, que espera terminar a campanha entre a população adulta até dezembro.
Apesar de todo o esforço concentrado e dos interesses políticos em jogo, os efeitos da vacinação têm alcance de difícil mensuração no momento, até porque falta muito para 2022, como analisa a reportagem de “Veja”. Um exemplo está na posição de João Doria, que, embora considerado “pai da vacina”, não alavancou, como esperava, sua popularidade. Num levantamento do Instituto Paraná Pesquisas, o tucano patinou em torno de 4% das intenções de voto nas pesquisas. Cientistas políticos advertem, também, que a disputa eleitoral ocorrerá em um momento em que o problema da imunização já não estará entre as principais preocupações dos eleitores. “Vão surgir outros temas”, alerta o cientista político e professor da PUC Ricardo Ismael. Mas, entre políticos, é consenso que, mesmo não sendo decisiva, a postura de cada governante na imunização terá um peso. “Todos seremos cobrados no futuro pelas atitudes que estamos tomando hoje”, sintetiza Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco. Resta conferir o que sairá das urnas em 2022 como rescaldo da pandemia.