Nonato Guedes
Em dois anos e meio de governo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) coleciona uma lista de ex-aliados, que foram se afastando ou tiveram que se afastar do “guarda-chuva bolsonarista” por divergências ou pela negativa em compactuar com o desgaste de um governo praticamente rompido com a sociedade, que perde popularidade a olhos vistos, a cada dia, e que chegou ao seu maior impasse com as denúncias de suposta corrupção envolvendo compra de vacinas contra a covid-19. Na Paraíba, a revoada de bolsonaristas da base de apoio do presidente ainda é lenta, mas há sinais sutis de distanciamento ou de não-alinhamento com o bolsonarismo. Mesmo o ex-prefeito de Campina Grande, Romero Rodrigues (PSD), que planejou candidatar-se ao governo do Estado em 2022 a bordo do apoio do presidente, prefere identificar-se, hoje, como um político “de centro”, não se apresentando mais como bolsonarista ortodoxo. O “clã” formado pela senadora Daniella Ribeiro e pelo deputado Aguinaldo (PP) mantém posição de expectativa.
O PSDB nacional, a propósito, começa a sair de cima do muro diante da crise política que o país enfrenta em paralelo com a crise sanitária e já liberou filiados de expressão para participar de atos públicos de protesto contra o governo que aí está, com direito a discursos posicionando a visão crítica ou discrepante em relação a atitudes e condutas do presidente da República. Em regra, o PSDB tem votado favoravelmente a grande parte de matérias enviadas pelo Executivo à Câmara e ao Senado. Mas o presidente estadual, Pedro Cunha Lima, por exemplo, nunca expressou fanatismo por Bolsonaro e por suas ideias, o mesmo se dando com o deputado federal Ruy Carneiro, que procura ser criterioso nas avaliações que faz à imprensa. Já Romero Rodrigues mantém laços com o presidente da República, construídos desde quando ambos foram colegas de legislatura na Câmara Federal, mas evita se comprometer mais diretamente com os desacertos do governo do capitão.
Um levantamento feito pelo site “Poder360” mostra que a maior parte dos nomes de ex-aliados de Bolsonaro é formada por pessoas do seu ex-partido, o PSL, pelo qual o presidente concorreu à eleição de 2018 e para o qual tentou retornar recentemente, não tendo tido aceitação, porém, para exigências consideradas descabidas de controle absoluto da legenda. Na Paraíba, o deputado federal Julian Lemos, que continua no PSL e coordenou a campanha de Bolsonaro no Nordeste em 2018, atritou-se com filhos do presidente e afastou-se da órbita palaciana, embora continue apoiando matérias enviadas pelo governo que, na sua opinião, fazem parte da pauta de reformas necessárias. Lemos deixa claro, porém, em declarações que faz, que o mandatário tornou-se “irreconhecível” em comparação com o candidato que conheceu e que defendeu em praça pública, e sustenta que é indefensável a posição do governo em muitos episódios.
Políticos como o comunicador Nilvan Ferreira, que foi candidato a prefeito de João Pessoa em 2020 e preside o diretório regional do PTB e o deputado Cabo Gilberto, do Patriota, além do deputado Wallber Virgolino, continuam se definindo como bolsonaristas porque não aceitam a volta do PT aos quadros de poder, muito menos o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que eles demonizam. Mas esses aliados bolsonaristas estão cautelosos diante da orquestração pelo impeachment do presidente da República, que voltou a ganhar corpo a partir do “superpedido” protocolado junto à presidência da Câmara dos Deputados, invocando crimes de responsabilidade atribuídos ao chefe do Executivo e ao seu próprio governo no enfrentamento à pandemia de covid-19. A revoada da base bolsonarista é lenta mas pode acelerar-se dependendo da evolução de depoimentos tomados na CPI da Covid instalada no Senado.
Ainda no primeiro ano de mandato, Bolsonaro protagonizou uma disputa com o presidente do PSL, Luciano Bivar (PE) pelo controle da legenda. O partido tinha saído de um deputado eleito em 2014 para 52 em 2018, puxados pelo fenômeno bolsonarista. A crise na legenda intensificou-se depois que Bolsonaro retirou a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do governo no Congresso. O PSL ficou dividido entre bolsonaristas e bivaristas em meio ao impasse para a escolha do líder do partido na Câmara. As divergências resultaram na saída do presidente das fileiras do partido em novembro de 2019. Na lista de “desertores” do governo também estão militares e empresários que se desentenderam com os filhos do presidente e foram escanteados até perderem suas posições no governo. São os casos dos generais Santos Cruz e Otávio Rêgo Barros.
Passada mais da metade da gestão, o presidente também já perdeu e recuperou alianças como a que fez com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do DEM. Entre os desentendimentos mais recentes está o que Bolsonaro teve com o senador Jorge Jakuru, do Podemos-GO. Ele foi um dos que assinou notícia-crime enviada ao Supremo Tribunal Federal contra Bolsonaro pelo crime de prevaricação envolvendo o caso Covaxin. Os aliados da área mais ideológica do governo são os mais fiéis ao presidente. Os congressistas com esse perfil que ainda estão no PSL aguardam uma decisão de Bolsonaro para mudarem de sigla. Bolsonaro continua sem partido desde o racha no fim do seu primeiro ano de governo. Aparentemente esse é um problema menor, mas a dificuldade de posicionamento do presidente numa sigla revela o quadro de isolamento político a que ele está submetido.