Nonato Guedes
A propósito da ameaça de senadores de oposição de barrar o nome de André Mendonça, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal, um levantamento do UOL revelou que o Parlamento derrubou uma indicação para a Corte, pela última vez, há 127 anos. Nos 131 anos de existência do Supremo, apenas cinco candidatos foram barrados no Congresso – todos eles no governo do marechal Floriano Peixoto, de 1891 a 1894. “Portanto, se a oposição resolver peitar o governo, agora, estará quebrando uma tradição de 127 anos de aprovações das escolhas do presidente da República para o Supremo. Durante esse tempo, não foram poucas as ameaças de barrar um indicado. Afinal, a arma política do Congresso é poderosa nessas situações”, relata a repórter Carolina Brígido na matéria do UOL.
Bolsonaro anunciou a aliados esta semana que escolherá o advogado-geral da União, André Mendonça, para a vaga de Marco Aurélio. Antes de ser empossado ministro do STF, o indicado precisa ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Depois, o nome é submetido à votação na CCJ e no plenário do Senado. Em geral, quando o presidente da República percebe que seu nome preferido não seria aprovado pelo Senado, ele prefere nem sequer nomear. Portanto, a praxe é que o mandatário consulte os parlamentares antes de indicar um ministro para a Corte. A vaga será aberta no dia 12 quando Marco Aurélio se aposentar. Bolsonaro fez uma espécie de sondagem pública nos últimos dias, dizendo a vários interlocutores que pretende indicar André Mendonça. Antes disso, já tinha anunciado sua escolha para ministros do Supremo. Com isso, ele prepara o terreno no Congresso para que seus aliados viabilizem a aprovação de Mendonça, informa Carolina Brígido.
O caso mais rumoroso de rejeição do Senado foi o do médico Cândido Barata Ribeiro, que foi reprovado quando já atuava como ministro do Supremo Tribunal Federal. Na época, era possível tomar posse antes da votação no Senado. Ele passou dez meses no tribunal quando foi obrigado a deixar o posto. Os senadores concluíram que Barata Ribeiro não poderia ser ministro da Corte porque não tinha formação jurídica. Depois de Barata Ribeiro, Floriano indicou onze nomes para o STF. O Senado rejeitou quatro. Dois deles também não tinham formação em direito: Ewerton Quadros e Demóstenes Lobo. A formação jurídica não é um problema para André Mendonça. Hoje, se o nome dele fosse rejeitado, o motivo seria outro: bombardear politicamente Bolsonaro. O presidente é alvo de fogo cruzado na Câmara Federal, onde acumulam-se pedidos de impeachment, e no Senado, onde a CPI não cansa de bater no governo. Adiar a sabatina do novo integrante do Supremo ou mesmo reprová-lo seria mais um componente no cabo de guerra entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.
No que diz respeito à vaga que será aberta com a saída de Marco Aurélio, já há alguns meses, em Brasília, trava-se intensa disputa de bastidores no círculo do poder. Caso dê errada a manobra para efetivar André Mendonça no STF, o Plano B do presidente Bolsonaro é o procurador-geral Augusto Aras, que, inclusive, foi chamado ao Palácio da Alvorada e informado de que seu nome está no radar, sendo compensado, em caso reverso, com a recondução ao posto na PGR por mais dois anos. De há muito que Bolsonaro fala em nomear ministros “terrivelmente evangélicos”, não só de olho no eleitorado desse segmento para a sua reeleição como porque deseja contar com aliados fiéis para fazer passar sua pauta conservadora em relação aos costumes no âmbito da Corte. André Mendonça, após ser avisado de que é o candidato “in pectoris” do Planalto, não se fez de rogado e deflagrou um périplo tradicional que todo aspirante a ministro costuma fazer por gabinetes do Congresso em busca de conquistar simpatias e superar eventuais resistências.
O senador Davi Alcolumbre, ex-presidente do Senado e atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça, onde ocorrerá a sabatina do candidato de Bolsonaro, num gesto inusitado, não só se recusou a recebera visita do advogado-geral da União como ainda enviou um recado ao Planalto de que uma parcela nada desprezível do Parlamento estaria incomodada com a falta de “traquejo político” de André Mendonça, o que poderia resultar até mesmo na reprovação do nome dele, impondo uma derrota vexatória ao governo. As resistências a Mendonça, conforme a revista “Veja”, têm menos a ver com as críticas feitas ao seu perfil e mais com uma clara preferência por Aras. Vários senadores confidenciaram que a inclinação por Aras se deve basicamente à postura dele em relação aos políticos, considerada muito menos hostil do que a dos seus antecessores. Mendonça, por outro lado, já se declarou no passado ser um admirador do ex-juiz Sergio Moro e da Operação Lava Jato. Mas, orientado por Bolsonaro, passou a se empenhar em reverter essa associação.
No Senado, a quem cabe dar a palavra final, a nomeação do ministro interessa muito porque há inúmeros parlamentares na mira da Justiça, calculando-se que um em cada três senadores tem o Judiciário nos seus calcanhares. Por via das dúvidas, Mendonça tem explicado que apesar de defender o combate à corrupção, também defende que réus não podem ser condenados apenas por desejo da opinião pública, se declara um crítico do ativismo judicial e ressalta que investigações não podem descambar para o vale-tudo. “Temos que ser garantistas”, repete sempre aos interlocutores. Para os congressistas de perfil conservador, o advogado-geral da União ainda inclui no discurso que é contrário ao aborto e à descriminalização das drogas, dois temas polêmicos que aguardam uma definição da Suprema Corte. Pode ter carimbado, aí, o passaporte para ser ungido à vaga de Marco Aurélio.