Nonato Guedes
Os “pescadores de águas turvas” certamente se decepcionaram com o êxito da audiência ocorrida, ontem, entre o governador João Azevêdo (Cidadania) e o prefeito de Campina Grande, Bruno Cunha Lima (PSD), dois adversários políticos assumidos, que porfiaram a céu aberto em recentes disputas pelo poder, quer na esfera estadual, quer no âmbito municipal. Quebraram a cara os tais “pescadores” porque constataram a sinalização de que a “distensão” nas relações administrativas entre o Estado e o município tornou-se real, abrindo caminho para o fim de um jejum que reinava há mais de uma década. Não restou coreografia, ensaiada para caprichar a foto oficial dos dois gestores, nem indício de formalidade retórica. A pauta foi “objetiva”, como pretendia o prefeito, e “proativa”, como assegurou o chefe do Executivo estadual.
A mídia recapitulou, com propriedade, a propósito da audiência em Palácio, as dificuldades que emperraram por tanto tempo o desenvolvimento da segunda maior cidade do Estado e uma das mais importantes da região Nordeste por causa de birras políticas provincianas, de sentimentos mesquinhos entre ocupantes eventuais do poder. A cronologia não poupa nenhum dos lados do meridiano político-partidário paraibano. Até mesmo filhos ilustres de Campina Grande, como Cássio Cunha Lima, quando governador, protagonizaram impasses no entendimento com conterrâneos como o prefeito Veneziano Vital do Rêgo, no encaminhamento de reivindicações que eram plausíveis e de fácil equacionamento. Já Cássio foi penalizado no governo José Maranhão, e a lua-de-mel entre Romero Rodrigues e Ricardo Coutinho foi tão fugaz que teve o impacto de um cometa.
Na verdade, embora de forma esparsa, houve audiências, despachos, reuniões. O que não houve foi resultado concreto, ou seja, adoção de providências, cumprimento da palavra empenhada. Chega a ser vergonhoso para a história da Paraíba que durante uma valiosa quadra do seu ciclo administrativo nenhum mísero convênio tenha sido firmado com a prefeitura da segunda cidade mais importante, responsável por alavancar a própria economia do Estado em conjunturas decisivas quando a Capital, João Pessoa, e outros municípios, de perfis diferenciados, não conseguiram responder à altura na quota de contribuição para o desenvolvimento geral. Esse crime de lesa-Campina Grande foi cometido de forma escancarada, sem reação efetiva de lideranças políticas e empresariais ou da própria sociedade que revertesse tal postura de mesquinhez e de desrespeito para com a população da Rainha da Borborema.
Foi como se, nesses períodos deprimentes, Campina Grande tivesse sido banida do mapa da Paraíba. Aliás, cabe refrescar a memória lançando mão de um trecho da fala do governador Cássio Cunha Lima, ao ser investido no primeiro mandato à frente do governo estadual em janeiro de 2003, após derrotar o adversário Roberto Paulino: “Ontem, foi o último dia de perseguição política na Paraíba (…) A Paraíba, a partir de agora, terá de novo 223 municípios. O mapa do Estado será recomposto, com a reintegração das cidades alijadas pela retaliação e discriminadas pela intolerância”. Cássio acrescentou no discurso: “Governarei para todos, mas com a consciência clara de que, entre todos, há os que já não têm sequer tempo a conceder; exigem urgência de soluções na emergência de seus clamores”.
Diz-se que uma das relações mais estáveis, do ponto de vista administrativo, deu-se entre o poeta Ronaldo Cunha Lima, no governo do Estado, e o prefeito Félix Araújo, no começo da década de 90, porque ambos eram aliados incondicionais. Em 1992, Ronaldo abalou-se a Campina Grande para dar prioridade à campanha de Félix contra Enivaldo Ribeiro, compensando-se do pouco caso que o então PMDB fizera da sua influência na campanha de João Pessoa, onde o candidato Delosmar Mendonça foi um fiasco nas urnas. De Félix dizia-se que era um candidato pesado. Ronaldo reagia fazendo blague para insuflar a militância: “Mas o guincho levanta”. O “guincho” era ele próprio, com seu prestígio inabalável na Rainha. E Félix acabou ungido nas urnas, tendo colhido, na medida do possível, os benefícios da ação administrativa empreendida na Paraíba pelo governador-poeta de saudosa memória.
Os paraibanos sentiram firmeza nas declarações expendidas, ontem, tanto pelo governador João Azevêdo como pelo jovem prefeito Bruno Cunha Lima ao cabo de duas horas de bate e volta na discussão do contencioso administrativo urgente que a população de Campina Grande exige. O encontro foi além das mesuras protocolares e do jogo de cena talhado sob medida para enganar os incautos ou as pessoas de boa-fé. Ganhou ares de compromisso, perspectiva de constância, como deve convir às relações republicanas. A grande fiadora da “carta de intenções” convertida em “carta-compromisso” passa a ser, diretamente, a opinião pública, a quem cabe acompanhar a coerência entre palavras e ações. O governador João Azevêdo tem a oportunidade inaudita de escrever um novo capítulo na história da Paraíba, baseado na gestão apartidária. O tempo dos embates políticos ficará guardado para as campanhas eleitorais. A urgência é administrar, em benefício do povo.
Louve-se o gesto de grandeza do prefeito Bruno Cunha Lima, um político jovem que tem espaço de sobra para aprender as lições da vida pública e vivenciar, de verdade, o estágio da democracia, fundada no exercício do contraditório, que não exclui os consensos indispensáveis ao interesse maior que é o interesse geral. Foi dele, Bruno, a iniciativa de pedir a audiência com o governador João Azevêdo, vencendo a temporada de rusgas e de bravatas que faziam mal a Campina Grande e aos campinenses, incomodando a Paraíba como um todo. Para chegar a tanto, Bruno tratorou próprios aliados que lhe insinuaram a possibilidade de blefar na mesa de reuniões. Não blefou. Não pediu o que não poderia ser atendido. Saiu indiscutivelmente engrandecido, dividindo com o governador adversário os dividendos de uma parceria que poderá vir a ser, finalmente, estabelecida, de forma civilizada.