Nonato Guedes
No capítulo das disputas eleitorais recentes da história política da Paraíba ficou gravada na memória da opinião pública a verdadeira “via crúcis” empreendida pelo líder Cássio Cunha Lima (PSDB) para assumir, na plenitude, o mandato de senador conquistado a céu aberto, em peregrinação por todo o Estado, com mais de um milhão de votos. A batalha foi travada nos tribunais e junto à Mesa do Senado em Brasília e Cássio teve, finalmente, reparado o seu direito, em oito de novembro de 2011. Enquanto o impasse não foi resolvido, investiu-se no cargo por dez meses o terceiro votado na disputa eleitoral de 2010, Wilson Santiago, que concorrera pelo PMDB. Para Cássio, tratava-se de uma usurpação indevida do cargo a ascensão de Santiago, e ele tinha razão.
O quiproquó, porém, subsistiu de entendimento judicial equivocado sobre a retroatividade ou não da nascente Lei da Ficha Limpa, derivada de uma mobilização social sem precedentes no país mas alvo de controvérsias aparentemente intermináveis no Supremo Tribunal Federal, que acabou decretando a sua validade somente a partir de 2012. Enquanto mergulhou numa pletora de recursos, agravos regimentais e embargos declaratórios no Tribunal Superior Eleitoral, no Distrito Federal, Cunha Lima assistiu não só à posse de Santiago na sua vaga como à indicação deste para um cargo estratégico na Mesa do Senado, além de passar a ser membro do Parlasul, o Parlamento da América do Sul. Registre-se a tenacidade com que Cássio resistiu para se manter até o fim do mandato parlamentar, evitando novas interpretações jurídicas falaciosas que prejudicassem a legitimidade do seu direito. O mandato foi o único como senador que Cássio exerceu, já que não conseguiu renová-lo em 2018, tendo atribuído este novo resultado a um “tsunami” do cenário político-eleitoral brasileiro.
Ele já havia se sentido punido e injustiçado quando, em fevereiro de 2009, teve decretado seu afastamento do governo do Estado, juntamente com o vice José Lacerda Neto, em rumoroso processo que agitou os meios políticos e jurídicos nacionais, sob a alegação de “conduta vedada” e atos irregulares à frente do Executivo paraibano, o que ele rechaçou com veemência em todos os fóruns e instâncias em que se manifestou, verberando contra o que qualificou de “maior erro judiciário da história do País”. O impedimento da posse no Senado em 2011 foi interpretado, em algumas áreas, como resíduo da concepção de que a Lei da Ficha Limpa já estava vigorando, o que ruiu por terra com a manifesta declaração de irretroatividade do dispositivo na época que alcançou o político paraibano. Os episódios do afastamento do governo no final do segundo mandato e do retardo na posse como senador inocularam em Cássio sentimento de descrença quanto a decisões da Justiça – e isto foi reforçado quando da sua derrota para Ricardo Coutinho em 2014, que o levou a contestar de forma inaudita, até ter confirmado o seu direito, embora tardiamente, quando o mandato decorrente daquela eleição acabara de expirar.
No que se refere ao obstáculo para Cássio assumir a cadeira de senador, conquistada de forma legítima em mobilizações memoráveis pelo território paraibano, até mesmo adversários de Cunha Lima consideraram temerária a interpretação primária esposada pela Corte Eleitoral em Brasília. A luz no fim do túnel nessa contenda veio quando a Mesa Diretora do Senado, presidida por José Sarney, em novembro de 2011, acatou parecer do relator Ciro Nogueira (PP-PI) e decretou, após comunicação expedida pelo Supremo, que Cássio era o legítimo dono da cadeira. Logo na posse, Cunha Lima fez um discurso emocionado, de improviso, prometendo lutar em favor dos interesses e das carências da Paraíba e, ao mesmo tempo, criticando pontos vulneráveis do governo da presidente Dilma Rousseff, a quem continuou combatendo até o seu processo de impeachment, quando a mandatária foi inquinada por “pedaladas fiscais” e outras irregularidades.
Já entrosado no Parlamento, Cássio Cunha Lima passou a integrar Comissões influentes, herdou emendas do “antecessor” Wilson Santiago tratando de liberação de recursos e contemplou, espacialmente, diferentes regiões do Estado. Prestigiado pela cúpula nacional do PSDB, que o apoiou tanto na cassação do mandato como governador quanto no imbróglio para sua investidura no Senado, ele voltou a figurar no cenário nacional em posição de destaque e a influir na correlação de forças na Paraíba, tornando-se um dos mais respeitados interlocutores políticos do Congresso Nacional. O filho do poeta, ex-governador e ex-senador Ronaldo Cunha Lima coroou sua passagem pelo Senado ascendendo à primeira vice-presidência da Casa. Dividiu cadeira, na legislatura, com seu adversário em Campina Grande, Vital do Rêgo Filho, que renunciou para empossar-se no Tribunal de Contas da União, abrindo vaga para o suplente Raimundo Lira, que voltou à Casa após mais de duas décadas de atuação por lá.
A saga de Cássio para fazer jus a um mandato que havia sido conquistado no voto, graças ao seu prestígio e liderança política, é o combustível saudosista dos remanescentes “cassistas” que ainda sonham com o retorno do ex-governador à cena estadual, quer concorrendo ao governo pela quarta vez, quer disputando o Senado pela terceira vez. Cássio tem estado “misterioso” e “reflexivo” acerca da conjuntura de 2022 e dos espaços do próprio esquema de forças políticas que integra, na oposição ao governador João Azevêdo. É claro que ficaram cicatrizes de duras batalhas jurídicas que Cássio teve que enfrentar para preservar o que sempre considerou “direito líquido e certo”. Mas não é ilusório imaginar que ele tem consciência do papel influente que ainda detém na correlação política da Paraíba e que poderá ser uma das peças decisivas do tabuleiro para o pleito de 2022. Tudo será conjectura, até que as águas se tornem tão cristalinas quanto a vontade popular que, às vezes, é desviada pela chamada “justiça dos homens”, mesmo ao preço de equívocos ou injustiças gritantes.