Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro está nocauteado, no momento, após ter sentido fortes dores abdominais e ser diagnosticado com obstrução intestinal, tendo que ser internado no hospital Vila Nova Star em São Paulo para ser submetido a exames. Mesmo com o sofrimento, não abriu mão de explorar politicamente o episódio, dentro da estratégia que adota de confrontação permanente com os adversários. Em sua conta no Twitter, o presidente voltou a se colocar no papel de vítima e assim comentou os fatos: “Mais um desafio, consequência da tentativa de assassinato”, numa referência à facada que sofreu na campanha eleitoral de 2018 em Juiz de Fora, atribuída a Adélio Bispo, um ex-militante do PSOL, que o presidente identifica como “braço esquerdo do PT”.
Na prática, o presidente tem um perfil que atrai tempestades políticas e que o submete à tensão constante. Ainda agora, é alvo de denúncias de corrupção e até de propina na aquisição de vacinas para o combate à Covid-19 no Brasil. Convive, quase diariamente, com o barulho ensurdecedor de uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado justamente para apurar omissões e irregularidades do governo federal no combate à pandemia. Até aliados próximos a Bolsonaro desabafam que o governo está irreconhecível, com o entra-e-sai de ministros que caem em desgraça com facilidade na órbita do poder, com os conflitos entre Executivo e os Poderes Legislativo e Judiciário, com a hostilidade de Bolsonaro à imprensa e, ultimamente, com o derretimento da popularidade do mandatário, até entre seus seguidores. É muita adrenalina!.
A “Folha de S. Paulo” havia publicado, um dia antes do agravamento de problemas de saúde de Bolsonaro, reportagem informando que o presidente estava à beira de um ataque de nervos, com possibilidade de vir a ser preso se não for reeleito na campanha de 2022. Tal radiografia se baseou em declarações do empresário Paulo Marinho (PSDB), que conviveu diariamente com Bolsonaro entre julho de 2017 e outubro de 2018, tendo frequentado o seu QG de campanha e ultimamente se distanciado do governo, como tantos outros que formaram com o “capitão” porque apostaram fichas, equivocadamente, na mensagem de mudança que ele buscou transmitir na disputa de 2018 contra Fernando Haddad, do PT. Ao se referir ao tom adotado pelo mandatário diante das suspeitas de irregularidades na compra de vacinas, Marinho disse que o presidente mostra destempero por ter consciência do risco de derrota na eleição presidencial de 2022.
– O capitão Bolsonaro vai enfrentar a Justiça. E arrisco dizer que vai ser preso pelos crimes que já cometeu e ainda vai cometer até o final do mandato – declarou Paulo Marinho, vaticinando que Bolsonaro tentará virar a mesa ante a ameaça de derrota lá na frente. “Ele (o capitão) vai tentar dar um golpe com as milícias, que é o grupo que o acompanha desde o início da sua vida política. Graças a Deus, esse grupo não tem tamanho para mudar a história da democracia brasileira. Ele acha que tem. Mas não tem”, reforça Marinho. O empresário foi um dos principais apoiadores da candidatura bolsonarista e em 2018 transformou a ampla academia de sua casa em estúdio de programa eleitoral. Da época, guarda vídeos inéditos e suas recordações, acervo hoje a serviço da pré-candidatura à Presidência da República de João Doria, governador de São Paulo, que tenta se viabilizar na corrida pelo PSDB.
Como exemplo, Paulo Marinho contou que, certa vez, Bolsonaro exasperou-se ao tentar, por mais de 20 vezes, gravar uma mensagem para a propaganda eleitoral. Segundo Marinho, Bolsonaro deixou o estúdio e foi para os jardins da casa, sendo tranquilizado pelo coordenador de sua campanha à época, Gustavo Bebiano, que depois virou ministro e morreu em 2020. “O capitão tem uma dificuldade imensa de se expressar. Quando a gente estava na minha casa gravando os programas de televisão, primeiro, ele não usava o teleprompter, ele não sabia se comunicar com o teleprompter. Tinha uma dificuldade de ler e falar. Ficava evidente que ele estava lendo”. Além dessa dificuldade de expressão, Marinho diz reunir mostras das contradições de Bolsonaro. “Na campanha eleitoral, o capitão batia no peito, na minha casa, e dizia: “temos que acabar com o foro privilegiado”. A primeira coisa pela qual o senador Flávio Bolsonaro e o pai dele lutaram, quando o problema bateu à porta da família, foi pelo foro privilegiado para o Flávio. Isso vai ser julgado nas eleições”, afirma Marinho.
O empresário se diz convencido de que Bolsonaro não chegará ao segundo turno. E relata que muitas pessoas riem desse prognóstico, a exemplo do que aconteceu em 2018, quando ele decidiu apoiar a candidatura de Bolsonaro. Com ares de pitonisa, Marinho sentencia: “Na campanha de 2022, Bolsonaro vai ter que explicar o enriquecimento da família dele, dos filhos e dele pessoalmente. Esse esquema das ‘rachadinhas’ está mais do que provado pelo Ministério Público Estadual. O capitão só não rodou até agora por causa da blindagem jurídica que conseguiu alcançar a nível federal”. Ultimamente, o presidente tem lançado mão de toda sorte de artifícios para tentar “melar” as eleições vindouras. Uma de suas principais bandeiras é o retorno do voto impresso, o que é considerado um retrocesso por autoridades judiciárias. Na prática, há muitos pretextos sendo usados como cortina de fumaça para ocultar graves crises nos porões do poder. Mas Bolsonaro procura o raio. Ele não se permite um instante de equilíbrio, de tranquilidade. Não há saúde que resista, é claro.