Nonato Guedes
Aos 65 anos, 19 deles no Supremo Tribunal Federal, desde o último dia 12 o ministro Gilmar Mendes assumiu o posto de decano da Corte, título dado ao ministro mais antigo do tribunal. Em tese, é apenas um cargo honorífico, mas, na prática, não será assim, segundo revela a revista “Veja” em reportagem que trata Gilmar como o “superdecano”. Ao ser indagado sobre o papel que cabe a um decano, o próprio Mendes assim delimitou: “Ter uma certa representação do próprio colegiado, ter voz em momentos de crises internas e externas”. Em resumo: agir, o que, para ele, não é apenas retórica. “Infelizmente, esses momentos de crise têm se amiudado, têm se tornado bastante frequentes, embora talvez não fossem desejáveis essas sucessivas crises”, comentou Gilmar.
A prioridade do momento, na opinião do “superdecano”, é garantir a governabilidade do país, notando que “um estado de ingovernabilidade é uma ameaça à estabilidade institucional”. Mendes é conhecido por embates com presidentes da República, defesa de teses impopulares e habilidade nas articulações de bastidores sobre decisões que acabam se tornando jurisprudências no âmbito da Suprema Corte. Seu histórico registra a atuação como personagem de papéis absolutamente antagônicos. Em 2016, o STF mudou o entendimento que tinha até então e passou a autorizar os juízes a decretrem prisões imediatas de réus condenados em segunda instância. Foi uma das mais importantes vitórias da Lava-Jato, um golpe aparentemente letal na tradição de impunidade. Mendes foi, então, celebrado por uns e atacado violentamente por outros. Um ano depois, ele se transformou num dos mais contundentes críticos dos métodos usados pela Lava-Jato, liderou uma investida judicial que resultou no fim da operação e, como consequência, abriu o caminho para a anulação de muitos processos.
Em 2016, ao costurar nos bastidores a decisão que permitiu levar à cadeia um pedaço da República, o ex-ministro, segundo seus críticos, teria dado vazão ao ódio que supostamente cultivaria contra o PT – a nova regra levou à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, retirou o petista da corrida presidencial e, segundo alguns, teria ajudado a pavimentar o caminho para o triunfo de Jair Bolsonaro. Quando, mais tarde, Mendes abriu caminho para a anulação de muitos processos, o maior beneficiado foi exatamente Lula, que teve suas condenações por crime de corrupção invalidadas, recuperou os direitos políticos e está livre para concorrer às eleições de 2022. Mendes já está acostumado tanto com as polêmicas como em ser o centro das atenções. No governo Lula, denunciou publicamente a existência do que classificou como o embrião de um “Estado policial”. Ao defender a abertura de processo eleitoral contra Dilma Rousseff, disse que a Justiça não podia permitir que o país se transformasse num “sindicato de ladrões”.
Mais recentemente, Gilmar Mendes acusou Jair Bolsonaro de implementar uma “política genocida” de combate à pandemia de Covid. Sobre a mesa do ministro, há uma ação com potencial para abalar algumas estruturas da República. Em agosto, quando terminarem as férias da Justiça, deve entrar em pauta o julgamento de um recurso que causa muita apreensão no Planalto – o Supremo vai decidir em que tribunal deve tramitar o processo em que o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) é apontado como beneficiário da prática conhecida como rachadinha. Dependendo do veredicto, o caso em que o filho do presidente é acusado de recolher para si parte dos salários de seus funcionários quando era deputado estadual no Rio de Janeiro pode retornar para a primeira instância, onde se encontra praticamente concluído, ou ser definitivamente sepultado. Mendes é o relator da ação e disse a interlocutores que as transações envolvendo o senador estão na raiz de boa parte dos episódios de instabilidade do governo.
Em entrevista divulgada ontem, Gilmar Mendes negou que o Tribunal tenha retirado poderes da União para atuar contra a pandemia de Covid-19. Segundo ele, o governo federal “se autoexcluiu” do combate à crise sanitária. Questionado sobre a atuação do Supremo em decisões sobre a pandemia, Gilmar Mendes lembrou os principais entendimentos fixados pela Corte para combater a crise e seus efeitos e, nesse contexto, contestou argumento reiteradamente utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro e aliados para responder a cobranças sobre a atuação da União no combate à pandemia – o de que o Supremo retirou poderes do presidente da República para estabelecer medidas de combate ao coronavírus. Gilmar Mendes assumiu o posto de novo decano após a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, e concedeu entrevista ao podcast “Supremo na Semana”, produzido pela Secretaria de Comunicação do STF.