Nonato Guedes
O entusiasmo com que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), está abraçando a proposta de vigência do semipresidencialismo no Brasil já acarreta desconfiança nos próprios meios políticos e em esferas do Judiciário quanto ao caráter “golpista” que ela venha a tomar. Para o autor da proposta de emenda à Constituição sobre semipresidencialismo, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), o novo sistema diminuiria bastante qualquer tipo de “negociação que não seja transparente entre o governo e o Congresso”. Ou seja, teria o condão de impedir a proliferação do malsinado “toma lá, dá cá”, o prato preferido por parlamentares que integram o Centrão, agrupamento fisiológico do Congresso. Mas, sob as mãos de Lira, a PEC pode se tornar uma aberração política-institucional.
Samuel Moreira argumenta que o Brasil vive situação constante de crise, mencionando que ainda agora aguardam despacho do presidente da Câmara mais de 120 pedidos de impeachment do presidente da República, Jair Bolsonaro, tendo ganhado força, inclusive, a figura do “superpedido” de impeachment, subscrito por diferentes organismos sociais e partidos políticos, que acusam o mandatário de crimes de responsabilidade. “Todo esse processo é muito duro para o sistema presidencialista, especialmente para um povo que precisa de governança melhor, de um governo andando”, justifica o autor da proposta. No texto, o presidente da República mantém parte dos poderes e indica um primeiro-ministro, que precisará do aval do Congresso para assumir. Os ministros de Estado também seriam subordinados ao primeiro-ministro.
O deputado tucano pondera, com razão, que no atual modelo constrói-se um “semipresidencialismo no varejo”, com o governo tendo que manter sua base de apoio a todo custo, geralmente a um preço muito elevado para a lisura ou a transparência democrática. Moreira critica, por exemplo, o fato de não ser oficializada oficialmente qual é essa base. “Quais os partidos que estão na base? Quem é a maioria? Ninguém sabe”, observa, acrescentando que, pelo novo sistema, essa maioria será formalizada, com a identificação de todos os parlamentares e partidos governistas. A PEC foi sugerida em agosto do ano passado, mas ganhou força nas últimas semanas, depois que Moreira procurou o presidente da Câmara, Arthur Lira, e este apresentou o texto aos líderes, passando a defender o intenso debate a respeito.
Arthur Lira assim reagiu ao avanço do movimento de parlamentares em torno da PEC do semipresidencialismo: “Acabou a época de projetos esquecidos nas gavetas. E o semipresidencialismo é mais um desses. Surgiu antes da crise atual. Não é invenção minha (…) Podemos, sim, discutir o semipresidencialismo, que só valeria para as eleições de 2026, como qualquer outro projeto ou ideia que diminua a instabilidade crônica que o Brasil vive há muito tempo”. Como o sistema daria ainda mais poderes ao Congresso, afirma-se em Brasília que o presidente da Câmara manobra para ganhar tempo e não dar vazão a algum dos mais de cem pedidos de impeachment contra o presidente Bolsonaro. Ou seja, não há confiança em que realmente Lira deseje dar transparência ao processo de decisões institucionais no país. É lamentável, mas desde a recente gestão de Rodrigo Maia a Câmara dos Deputados não consegue se impor com soluções democráticas ou legítimas que contenham os excessos do Executivo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acha, inclusive, que o semipresidencialismo é mais uma tentativa de golpe para impedir que ele vença as eleições de 2022 para presidente da República.
O jornalista Eduardo Lima, em ensaio no “Fórum”, define que o semipresidencialismo pode ser classificado como um modelo híbrido entre o presidencialismo e o parlamentarismo, contendo características de ambos. O presidente é eleito pelo povo, mas suas funções estão limitadas à Defesa e Relações Exteriores. No que realmente importa, o chefe de governo será o primeiro-ministro, com seu ministério, responsáveis por tocar a economia e organizar a política interna. Numa Câmara com maioria de oposição, um primeiro-ministro de fora da casa não teria vida fácil, independentemente de quem fosse o chefe de Estado. O primeiro-ministro pode ser destituído de seu cargo após um pedido do presidente para a sua retirada, que precisa ser aprovado pelo Congresso ou um pedido aprovado por dois quintos da Câmara e do Senado.
O argumento dos defensores do semipresidencialismo é de que a retirada de um primeiro-ministro e o começo de um novo governo seriam menos traumáticos para a Nação – “a mesma”, como lembra Eduardo Lima, que em dois plebiscitos, em 1963 e em 1993, rejeitou o parlamentarismo e optou pelo presidencialismo, não pelo semipresidencialismo. O jornalista conclui com um prognóstico bastante incisivo, que parece encontrar amparo na realidade vigente no país: o de que a alteração do modelo de governo sem consultar o povo brasileiro só pode ter um nome claro; golpe! É tanto casuísmo que o governo Bolsonaro tenta empurrar goela abaixo da sociedade, com a conivência de dirigentes do Legislativo, Arthur Lira, que realmente dá para desconfiar de “novidades” que estão sendo propostas. O retorno do voto impresso, ardorosamente pautado por Bolsonaro, e a sugestão do semipresidencialismo parecem que são farinha do mesmo saco – o saco do “golpismo” ou do “casuísmo” para tentar alterar a vontade livre e democrática do povo brasileiro.