Nonato Guedes
Uma lista da CPI da Covid sobre falas de políticos engajados na disseminação de fake news sobre a pandemia de coronavírus, à qual teve acesso o site “Congresso em Foco”, revela um lamentável “show” de barbaridades proferidas por pseudos-representantes do povo que teriam como obrigação maior defender a sociedade e orientá-la sobre como se prevenir diante das estatísticas de mortes que abalaram o Brasil. A CPI listou pelo menos 26 políticos que espalharam fake news, em sua grande maioria aliados ou discípulos do presidente Jair Bolsonaro, um negacionista nato, que quase mergulhou o país nas trevas ao desdenhar da dimensão da tragédia da pandemia que, em tese, vem dando sinais de arrefecimento. Um dos mais implicados é o apocalíptico deputado Osmar Terra, do MDB-RS, que atuou como ministro da Saúde paralelo.
Seriam cômicas se não fossem trágicas as falas que retratam a ignorância de expoentes políticos no inglório desideratum que encamparam de tentar desmoralizar a Ciência, contestá-la permanentemente, e no esforço inútil de desinformar a população e mantê-la refém de teorias baseadas em achismos, elaboradas sob encomenda para possibilitar dividendos financeiros a pessoas e grupos interessados em se aproveitar de uma convulsão social. Vamos combinar que quem se expôs a heresias na elite política e dirigente do país tinha interesses subalternos em pauta, claramente definidos para lucrar em proveito próprio, seja no campo financeiro, seja no campo político-eleitoral, em alguns casos nas duas vertentes. O exemplo maior, claro, veio de cima, com o sinal verde expedido pelo presidente Jair Bolsonaro para a prescrição da hidroxicloroquina como eficaz no tratamento precoce da Covid, contrariando estudos científicos que negaram o tempo todo a validade desse e de outros medicamentos conexos. Por um bom tempo a “boiada passou”, a um preço muito alto que pode ser medido na quantidade de vidas perdidas devido à ação omissa ou deletéria do governo federal.
Alguns exemplos? O deputado Osmar Terra (MDB-RS) pregou que metade da população brasileira viesse a ser infectada pelo coronavírus, alegando que, quando isso acontecesse, todos teriam anticorpos e 99% ficariam assintomáticos. Só aí, assegurava, o contágio da covid-19 iria se reduzir. Fora isso, escreveu o deputado no Twitter, “o coronavírus seguirá na sua trajetória com quarentena ou não”. Já o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aquele que chegou a ser preso por ordem do Supremo após preconizar atos antidemocráticos contra instituições, pontuou que a pandemia da covid-19 era a chegada no que ele chamou de “bio-era”, um tempo em que as armas convencionais são substituídas por armas biológicas, como o coronavírus, que, segundo ele, fora construído em laboratório “para atrapalhar e interferir nas eleições americanas”.
Durante o período de recesso parlamentar, a organização de documentos que apontam quem foram os responsáveis por produzir e espalhar pelas redes sociais desinformação sobre a pandemia é a nova linha de trabalho das equipes que assessoram os parlamentares na Comissão de Inquérito instalada no Senado Federal. A lista, ao que se sabe, foi produzida pelo grupo de 41 voluntários que o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), arregimentou e que atuam na busca de informações na internet, especialmente para checar dados. Alguns políticos relacionados são, inclusive, de oposição, e, além da lista de políticos, a CPI da Covid investiga a origem de 68 perfis na internet, com milhares de seguidores, que espalharam, por exemplo, notícias amedrontadoras sobre vacinas e outras notícias falsas. Esses perfis a CPI ainda mantém sob sigilo, porque muitos têm autoria anônima. A Comissão quer descobrir quais são seus autores e a origem dos disparos.
No caso dos políticos, a ideia, ao final, é verificar suas responsabilidades na disseminação de ideias falsas ou distorcidas sobre a pandemia. Parte do raciocínio de que, como pessoas públicas, com credibilidade junto à parte da sociedade, as opiniões desses políticos acabam tendo forte importância na formação de conceitos que podem ter dificultado o combate à doença no país. O trabalho relaciona nomes dos filhos do presidente da República, como o deputado Eduardo Bolsonaro (SP) e o senador Flávio Bolsonaro (RJ), além da deputada Bia Kicis, do PSL-DF. Mas o trabalho mostra especialmente a força da atuação de Osmar Terra, uma espécie de ministro da Saúde paralelo, que defende o uso de remédios sem eficácia comprovada, critica o isolamento social, defende a tese da imunidade de rebanho, distorce dados sobre a doença e é o político com maior presença na lista e com maior volume de informações consideradas falsas ou equivocadas.
Quando o Brasil atingiu cinco mil mortos pela Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro reagiu em resposta com um “E daí?”. Mais de um político da sua base postou um vídeo editado sem essa parte da resposta, afirmando ser essa a verdade. Evidente que num ambiente de terrorismo como o que foi instaurado pelo presidente da República e pelos seus mais diletos apoiadores, até opositores do governo ficassem contaminados pelas “fake news”, na pressa de deflagrar contra-ofensiva às mentiras ou sandices. Foi o que aconteceu com a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, que exagerou ao dizer que quase 7 milhões de testes de covid haviam sido “desperdiçados” – na verdade, eles poderiam perder a validade. A gravidade comprovada está na máquina de propaganda do governo para desinformar a sociedade num momento de profunda calamidade. A tradução disto é o descaso e, além dele, a falta de empatia ou solidariedade do poder público federal com as vítimas da tragédia da Covid no Brasil