Linaldo Guedes
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Débora Gil Pantaleão é uma das autoras mais instigantes da literatura brasileira contemporânea. Sim, porque ela não para. Está sempre produzindo: poesia, contos, etc. Quando não, ministra aulas, dá oficinas literárias e edita livros, num trabalho magnífico com a Escaleras. Agora, ela cometeu a maior de suas ousadias. Débora Gil estreou no romance, com “Uma das coisas”, obra publicada em 2020 por sua editora, com capa de Tainá Lima.
Digo que é ousadia, por não ser fácil escrever um romance. Quem escreve poesia ou qualquer outro gênero literário, sabe bem que o romance não é coisa para qualquer um. Enveredar pelos caminhos da narrativa longa é como mergulhar num pântano. Você só é salvo se dominar muito bem os meandros da escrita, ter estilo e uma boa história para contar. Débora Gil tem tudo isso! E muito mais, como o leitor há de ler nas 140 páginas da obra!
“Uma das coisas” é um thriller do cotidiano dos tempos atuais. Não seria exagero afirmar que ele pode ser classificado de um romance de geração, da geração 2000. São as personagens femininas, como Lelé, Patrícia e Betina, que dão o tom do romance. Como bem define a escritora Débora Ferraz, as personagens se misturam o tempo todo, nos sonhos, angústias, decepções, alegrias e até no bom humor.
Mamãe Patrícia acorda Betina e anuncia 2019 como um trator que chega envolvendo o leitor desde a primeira página do livro. E aí a narrativa é tão fluente que nos torna reféns dela, para saber dos boys, do porquê de Vovó Lelé só presentear Patrícia com dicionários, da professora subversiva, da reinvenção de palavras, das idas e vindas entre sítios, Ibiara, no sertão paraibano, Baia da Traição e o bairro do Bancários, em João Pessoa.
“Uma das coisas” é, sobretudo, um romance contemporâneo, com todas as nossas pautas de tempos atuais. Tipo: parada LGBTQIA+, fieis evangélicos, mudança do nome da capital paraibana, amores perdidos ou nem encontrados, enfim. Tudo isso junto e misturado, numa espécie de caleidoscópio narrativo que nos faz embrenhar pelas histórias das personagens como se fora nossas também.
Vejamos um trecho:
“Terminamos meio exaustas, os ataques do não acredito que se tornou o presidente estavam cada vez piores, dessa vez chamava os manifestantes de ‘idiotas úteis’ e ‘imbecis’, Pati Ellen e Cíntia costumavam me levar com elas para as manifestações, diziam que ali também se fazia escola, embora Vovó Lelé apoiasse ficava em casa com receio do que poderia acontecer com a gente, tratava-se de uma tentativa de desmonte total na saúde na educação no meio ambiente em todo lugar, Cíntia no Uruguai passamos a ir apenas Eu Pati e Ellen”
Um dos méritos do livro é não fazer panfletarismo de nenhuma causa, nenhum tema abordado. Afinal, não estamos lendo um livro de história sobre o Brasil dos tempos atuais. É um romance. É ficção. E ficção da melhor qualidade! Com o estilo ágil, com uma escrita provocadora, que intercala a saga das personagens femininas com o “pai”, que sempre aparece em capítulos à parte, mas importantes nas tramas abordadas. Débora Gil estreia no romance com o pé direito. Ou melhor: com as duas mãos escrevendo com qualidade.
Débora Gil, enquanto escritora, consegue narrar as histórias do livro como se estivesse conversando com a gente, numa mesa da Bodega Arte Café, nos intervalos do show de Natália Bellar ou de Gláucia Lima. Como se fosse um dedo de prosa, tomando um cafezinho e ouvindo Hygia falar sobre esse mundão que vivemos.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968. É membro, também, da União Brasileira dos Escritores – Seção Paraíba.