Nonato Guedes
Uma afirmação do governador João Azevêdo – de que a aliança entre o seu esquema e o PP, em 2020 em João Pessoa, que elegeu a chapa Cícero Lucena-Leo Bezerra a prefeito e vice, não teve necessariamente amarração para pleitos vindouros, como o de 2022, envolvendo o Cidadania, partido em que João ingressou após romper com o PSB e com Ricardo Coutinho – encontra suporte em pelo menos um episódio emblemático: o processo eleitoral de 1985 para a prefeitura da Capital paraibana. O então governador Wilson Braga (PDS-PFL), atento aos sinais de mudança da conjuntura no declínio do regime militar, aproximou-se do então PMDB e apoiou o candidato desse partido, Carneiro Arnaud, indicando pelo seu esquema o candidato a vice, Cabral Batista. O principal adversário de Carneiro foi Marcus Odilon Ribeiro Coutinho (PTB), que teve o apoio do deputado federal e ex-governador Tarcísio Burity. A diferença girou em torno pouco mais de 10 mil votos, o que chegou a ser avaliado como “uma vitória de Pirro”, já que Carneiro foi apoiado por três máquinas – federal, estadual e municipal.
O apoio do braguismo a Carneiro Arnaud era parte de uma estratégia de Wilson que teria desdobramento na eleição seguinte, a nível estadual, em 86 – e, de acordo com o “script”, nesse ano haveria a união em torno da candidatura do senador Humberto Lucena ao governo do Estado, tendo na outra ponta da composição Wilson Braga como candidato ao Senado. Faltou durabilidade ao acordo, o que parecia estar na lógica dos acontecimentos, devido a incompatibilidades congênitas entre o PMDB e o braguismo. Em depoimento que me ofereceu para o suplemento “Memória Política”, de “A União”, Carneiro contou que, passada a eleição, Wilson chamou-o na Granja Santana e lhe comunicou que o partido dele (PDS) não aceitava o nome de Humberto para governador. E ameaçava lançar o nome de Tarcísio Burity para voltar ao Palácio se houvesse insistência no nome de Lucena. A sugestão de Braga foi que ele (Carneiro) trabalhasse para ser candidato porque não enfrentaria arestas.
O cálculo deu errado porque Carneiro não aceitou “fazer o jogo” de Wilson e deixou claro que fora escolhido candidato a prefeito de João Pessoa com um objetivo – o de contribuir para tornar Humberto governador. “Se eu fosse manobrar para ser candidato a governador, ia parecer uma traição. Havia um acordo e eu tinha respeito à lealdade, à palavra empenhada, então eu não quis”, relatou o médico Carneiro Arnaud. Pelo seu testemunho, o poeta Ronaldo Cunha Lima também não quis se lançar pré-candidato, por lealdade a Humberto Lucena, e daí resolveu permanecer à frente da prefeitura municipal de Campina Grande. Chegou a organizar, junto com seus apoiadores, a versão provinciana do “Dia do Fico”, que teve grande repercussão nos acontecimentos políticos paraibanos. Com as investidas de Wilson Braga fazendo água, o PMDB acabou optando pela candidatura de Tarcísio Burity, que ingressara na legenda na undécima hora dos prazos legais. “Humberto deu a candidatura de mão beijada para Burity, que tinha sido sempre adversário do partido”, narrou Carneiro, nesse testemunho relevante para a história política paraibana.
Tarcísio Burity foi eleito governador, tendo como principal adversário Marcondes Gadelha e logrando alcançar vantagem de quase 300 mil votos, o que contribuiu para arrastar os dois candidatos ao Senado – Humberto Lucena e o neófito Raimundo Lira. Marcondes atribuiu sua derrota ao “vendaval mudancista” provocado pelo Plano Cruzado, tocado pelo presidente José Sarney, que teve reflexos colaterais favoráveis a candidatos alinhados com o poder de plantão em vários outros Estados. Mas este não foi o único fator decisivo. O esquema comandado por Wilson Braga vivenciou impasses para a definição do candidato ao governo, optando, inicialmente, pelo empresário e ex-vice-governador José Carlos da Silva Júnior, que renunciou à indicação ao se sentir “cristianizado” no palanque. Marcondes Gadelha entrou como “tapa-buraco”, convencido com o argumento de que poderia perder o pleito porque ainda teria quatro anos de mandato no Senado, o que aconteceu.
Depois, é o que se conhece e que está na História. Tarcísio Burity enfrentou animosidade com o PMDB, por quem se sentiu boicotado no Senado, quando da tomada de empréstimos internacionais ao governo da Paraíba, e na Assembleia Legislativa, onde vigoroso bloco de oposição se erigiu contra sua liderança, acenando, até, com ameaça de impeachment. O desfecho da queda-de-braço foi a desfiliação de Burity dos quadros do PMDB, efetuada em atmosfera de confrontação aberta com os líderes do partido, em especial com o senador Humberto Lucena, com quem trocou “epístolas” que ganharam destaque na imprensa paraibana e nacional. O PMDB paraibano, por sua vez, viveu a sensação de que era “partido do governo, mas sem estar no governo” – e saltou da órbita palaciana. Burity, a esta altura, estava enfeitiçado pelo fenômeno Collor de Mello, que o apunhalou no episódio do fechamento do Paraiban.
Por todos os títulos e circunstâncias, o episódio da aliança entre o PMDB e o braguismo na disputa pela prefeitura de João Pessoa em 1985 é uma espécie de paradigma para balizar o capítulo das composições na geografia política paraibana. Está sendo recapitulado diante da analogia que é feita com o pleito de 2020 à prefeitura de João Pessoa – cenário em que o governador João Azevêdo se engajou à campanha de Cícero Lucena (PP) e indicou o candidato a vice, pelo Cidadania. A eleição “quase seguinte” será a de 2022: João Azevêdo é candidato à reeleição, teoricamente Cícero Lucena está comprometido com esse projeto mas o PP lança uma incógnita e acena até com a possibilidade de candidatura própria no contexto. É sobre essa comparação que se debruçam analistas políticos e líderes influentes de partidos que cogitam ter influência no processo eleitoral estadual do ano vindouro. Por óbvio, a conferir!