Nonato Guedes
No dia 28 de julho de 2018, falecia no Hospital Memorial São Francisco, em João Pessoa, o jornalista e escritor Severino Ramos, aos 79 anos de idade, vítima de complicações decorrentes de pneumonia. Filho de operário, nascido na usina São João, no município de Santa Rita, “Biu” Ramos converteu-se num dos grandes polemistas da imprensa paraibana, com atuação marcante e combativa em inúmeros veículos de comunicação em que pontificou, tanto na mídia local como na mídia sulista. Sempre foi reconhecido como uma das maiores vocações do jornalismo, em que ingressou aos 17 anos, como repórter do “Correio da Paraíba”. Como colunista político e crítico de costumes, foi demolidor e audacioso. Formou gerações na história da imprensa, deixando seguidores e admiradores.
“Biu” Ramos impôs-se à sociedade pelo talento, vencendo barreiras como a do preconceito racial. A inteligência privilegiada e o espírito de combatividade foram suas características maiores. Era frequentador do terraço do ex-ministro e consagrado escritor José Américo de Almeida e tinha prestígio e linha direta com expoentes da história no Estado como os ex-governadores João Agripino e Tarcísio Burity, o arcebispo Dom José Maria Pires, o teatrólogo Paulo Pontes. No “Correio da Paraíba” ocupou todos os cargos de redação – de chefe de reportagem a secretário, editor e colunista, durante 14 anos consecutivos. Projetou-se, também, como colunista, por um bom tempo, do jornal “O Norte”. Na rádio Tabajara, ascendeu à superintendência e foi, também, superintendente do jornal “A União”, presidente da Associação Paraibana de Imprensa, secretário de Cultura do governo da Paraíba. O estilo panfletário com que revestia seus artigos, crônicas e outros escritos trouxe-lhe popularidade invejável, mesmo quando atuava apenas na imprensa escrita, de circulação e alcance mais limitados.
Foi correspondente do “Jornal do Brasil”, da “Folha de S. Paulo”, das revistas “Veja” e “Realidade” e diretor da sucursal do jornal “Diário de Pernambuco” em João Pessoa. Na literatura, consagrou-se com títulos marcantes como “Arca dos Sonhos”, “Os Crimes que abalaram a Paraíba”, “Memórias de um Repórter”, “A Verdade de Cada Um – Entrevistas” e biografias como “O Mago de Catolé”, versando sobre João Agripino, e “Tarcísio Burity – Esplendor & Tragédia”. Dizia ter aprendido a conciliar jornalismo e literatura. “Nem todo jornalista é escritor e nem todo escritor é jornalista. Há uma vocação, eu diria mesmo uma intuição para ser escritor”, traduzia. Seus livros-reportagens, pontuados por estilo romanceado, sobretudo os mais polêmicos, esgotavam-se rapidamente em bancas e livrarias, virando fonte de consulta obrigatória para historiadores, pesquisadores e curiosos.
Nunca se intimidou diante de pressões, ameaças e processos que se erigiram contra ele, diante de revelações bombásticas contidas em livros, em reportagens ou nas colunas espalhadas por jornais, revistas e outras publicações, no Estado e além-fronteiras. O primeiro volume de “Os Crimes que abalaram a Paraíba”, lançado em 89, contando a saga das Ligas Camponesas de Sapé, com a morte do seu líder João Pedro Teixeira, e o “mistério” da Praia Formosa, o assassinato do estudante Paulo Maia, que desencadeou uma crise política nas rodas do poder estadual, fez estragos antes mesmo de vir a lume. Bastou que os jornais antecipassem informações extraídas de capítulos para que certos personagens, figurões da sociedade paraibana, se tomassem de fúria e reagissem antes mesmo de conhecer o enredo. O primeiro volume rendeu processo na Justiça contra o autor, que prescreveu. A repercussão apenas reforçava o interesse e a curiosidade por parte da legião de admiradores e seguidores de Severino Ramos.
A iniciação de “Biu” Ramos como escritor não foi pacífica. Em 1985, buscando testar-se na atividade literária, inscreveu com pseudônimo os originais de “Arca dos Sonhos” num concurso literário promovido pela Comissão do IV Centenário da Paraíba. A obra não mereceu, sequer, menção honrosa dos “julgadores”. Quando, enfim, apôs a sua assinatura no livro e fez o lançamento público, deu-se o estouro. O livro foi sucesso de público e de crítica, também. A intelectualidade paraibana rendia-se ao debutante de um clube até então fechado de talentos. “Biu” Ramos prosseguiu infatigável na sua escalada. Quanto aos premiados pelo Concurso do IV Centenário, até hoje ninguém sabe ou lembra quais foram. Como colunista, comprou brigas, por exemplo, com professores de fora contratados pela Universidade Federal da Paraíba em detrimento da prata de casa. Ramos qualificou os contratados como “alienígenas” e foi chamado pela esquerda de “xenófobo”. Mas foi impressionante o poder de argumentação com que baseou seus artigos para respaldar a linha de críticas à importação de docentes universitários.
Severino Ramos, “a legenda”, foi quem deu dimensão à Associação Paraibana de Imprensa já na fase de transição da ditadura militar para a retomada democrática, acolhendo expositores de renome nacional, do meio jornalístico e político, promovendo debates de alta voltagem que “incendiaram” o auditório da entidade na Visconde de Pelotas e abrindo espaço para as diferentes correntes ideológicas. Não deixou herdeiros no jornalismo, até pelo estilo intransferível, mas persistem discípulos das suas lições. Desse ponto de vista, Ramos foi, também, um formador de gerações, na fase de ouro que marcou o jornalismo paraibano e que, ultimamente, tem esmaecido na reciclagem inexorável da História e da vida. “Biu” Ramos, houve apenas ele.