Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro fez questão de levar adiante, em duas horas de “live” promovida anteontem, a pantomima que vinha alimentando a respeito do processo eleitoral brasileiro e que consistia em colocar em xeque a lisura do voto eletrônico no Brasil. Infelizmente para Bolsonaro a orquestração desencadeada foi um grande fracasso e o presidente passou recibo de que estava “blefando” com as insinuações, ao não apresentar provas concretas de irregularidades, quer nas eleições de 2014, em que Dilma Rousseff (PT) derrotou Aécio Neves (PSDB), quer em 2018, quando o próprio Bolsonaro foi vitorioso, derrotando o petista Fernando Haddad. A performance midiática desastrosa do presidente desapontou até mesmo aliados fiéis, que esperavam um fato bombástico, que tivesse impacto e repercussão na vida política-institucional brasileira.
Nos bastidores vinham circulando versões de que a cantilena armada pelo presidente em torno de fraudes no processo eleitoral tinha por objetivo tumultuar o calendário para o pleito de 2022, quando tentará a reeleição a um novo mandato, diante do receio de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recuperou a liberdade e os direitos políticos, desponte como franco favorito na corrida presidencial do próximo ano, mantendo a posição que já o favorece a dados de hoje, nas pesquisas preliminares de intenção de voto realizadas por institutos especializados e de credibilidade. Bolsonaro tem dito em ocasiões variadas que não aceitará a realização das eleições de 2022 caso não seja aprovado pelo Congresso e implementado pelo TSE o voto impresso. Tais declarações são vistas por políticos e representantes de instituições públicas, especialmente do Judiciário, como um risco ao sistema democrático brasileiro.
Uma reportagem do site “Congresso em Foco” lembra que nos últimos meses investigações conduzidas pela Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Covid-19 no Senado têm avançado sobre denúncias de prevaricação por parte do presidente Bolsonaro no que diz respeito ao combate à pandemia. A CPI também apura denúncias de superfaturamento do Ministério da Saúde na compra de imunizantes. Em paralelo, pesquisas de opinião apontam para uma queda de popularidade do presidente, a exemplo do Datafolha, que, em julho, divulgou sondagem na qual, para 55% dos entrevistados, a gestão era classificada como ruim ou péssima. Enfim, Bolsonaro também vê ameaçado seu caminho à reeleição em 2022 diante de uma desvantagem contra Lula (PT), ainda no âmbito das pesquisas eleitorais. Todo esse cenário desfavorável tornou-se o presidente refém de um factóide: o da fraude eleitoral.
Como vinha sendo chamado à colação pela imprensa e por setores da sociedade para oferecer provas concretas diante das reiteradas denúncias formuladas sobre o suposto sistema eleitoral viciado no Brasil, Bolsonaro idealizou o espetáculo da “live” para, teoricamente, exibir documentos demolidores. No final de tudo, o mandatário reconheceu que tinha “apenas indícios” e não fatos. “E eu digo mais: não temos prova. Deixar bem claro. Mas indícios que eleições para senadores, deputados, pode ocorrer a mesma coisa”, falou em tom de quem está dando uma desculpa esfarrapada e, ao mesmo tempo invertendo a promessa de que apresentaria as esperadas provas. “Os que me acusam de não apresentar provas, eu devolvo a acusação: provem que não é fraudável”, tangenciou, de forma absurda.
O descrédito do presidente Jair Bolsonaro, conforme avaliações insuspeitas expostas na mídia, praticamente sepultou a orquestração obstinada dele no sentido de ofender as instituições, a quem nunca ofereceu demonstrações maiores de respeito desde que se investiu no cargo de supremo magistrado da Nação. Bolsonaro tem sido pródigo na disseminação de “fake news” a respeito, até mesmo, de questões graves como a pandemia do coronavírus, como ficou demonstrado quando insistiu na prescrição de medicamentos e tratamentos sem comprovação científica, como o uso da hidroxicloroquina na prevenção contra a Covid-19, o que foi contestado por renomados especialistas em Saúde Pública de todo o mundo. As “fake news”, às vezes, são espalhadas por Bolsonaro e seus apoiadores dentro de uma estratégia calculada para abafar escândalos que desgastam o governo ou encobrir omissões graves do próprio governo que resultam na falta de respostas concretas para desafios urgentes da população brasileira.
Desconfia-se que essa última orquestração engendrada por Bolsonaro e seguidores tinha, na verdade, a finalidade de desviar a atenção da aliança que finalmente acabou sendo firmada pelo governo com o “Centrão”, o que jogou na lata do lixo as inúmeras declarações do presidente ofensivas ao agrupamento político conservador e fisiológico que passou a dar-lhe apoio na Câmara dos Deputados e no Senado. O que se afirma, nos meios políticos e jornalísticos, é que o governo está, escandalosamente, refém do “Centrão”, cujas pautas, em sua maioria, não combinam nem de longe com o suposto perfil do discurso anticorrupção que Bolsonaro gosta de encenar de vez em quando. Além de incompatibilizar-se com o Tribunal Superior Eleitoral e com o Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro pode ter perdido espaços junto aos próprios políticos que aparentemente lhe dão apoio. O que se diz é que a PEC do voto impresso, na Câmara dos Deputados, depois da “patacoada” do presidente, dificilmente caminhará rumo à aprovação. Se for assim, a “live” ensaiada com tanto estardalhaço pode ter sido um tiro no pé, por parte do mandatário, em termos de credibilidade e de vitória política a que aspirava.