Nonato Guedes
A ofensiva do presidente da República, Jair Bolsonaro, para confundir a opinião pública, insistindo no retorno do voto impresso para o sistema eleitoral brasileiro, a pretexto de evitar fraudes por meio do voto eletrônico, esbarrou na reação enérgica de ex-presidentes do Tribunal Superior Eleitoral desde 1988 e do atual presidente, ministro Luis Roberto Barroso, e do vice, Edson Fachin. Eles divulgaram uma nota em defesa do modelo vigente nas eleições que são realizadas no país e contestando insinuações feitas pelo presidente da República sobre serem inconfiáveis as urnas eletrônicas. Mesmo depois de ter dito em uma “live” que não tinha provas de fraudes em pleitos presidenciais recentes, Bolsonaro incentivou manifestações de rua que ocorreram no fim de semana em Capitais brasileiras com apologia ao “retrocesso”.
Na nota que assinaram, os dirigentes e ex-dirigentes da Corte Eleitoral deixam claro que a volta da contagem manual de votos seria, isto sim, um regresso a um cenário de “fraudes generalizadas”. Diz um trecho da nota: “A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil”. A nota lembra, ainda, que a urna eletrônica é usada desde as eleições de 1996 e nunca houve registro de fraudes. “Jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições. Nesse período, o TSE foi presidido por 15 ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao longo dos seus 25 anos de existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas de segurança”, dizem os ministros.
Os ex-presidentes do TSE e a atual cúpula da Corte ressaltam que o voto eletrônico é, sim, auditável, ao contrário do que Bolsonaro tem pregado de forma recorrente aos seus apoiadores e aliados. “As urnas eletrônicas são auditáveis em todas as etapas do processo, antes, durante e depois das eleições. Todos os passos, da elaboração do programa à divulgação dos resultados, podem ser acompanhados pelos partidos políticos, Procuradoria-Geral da República, Ordem dos Advogados do Brasil, Polícia Federal, universidades e outros que são especialmente convidados. É importante observar, ainda, que as urnas eletrônicas não entram em rede e não são passíveis de acesso remoto, por não estarem conectadas à internet”, esclarecem os signatários da nota, como Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Carlos yres Britto, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim, Sidney Sanches, Francisco Rezek, Néri da Silveira.
No preâmbulo, a nota de resposta às acusações de Bolsonaro enfatiza que eleições livres, seguras e limpas são da essência da democracia e que, no Brasil, o Congresso Nacional, por meio de legislação própria, e o Tribunal Superior Eleitoral, como organizador das eleições, conseguiram eliminar um passado de fraudes eleitorais que marcaram a história do Brasil, no Império e na República. “O voto impresso não é um mecanismo adequado de auditoria a se somar aos já existentes, por ser menos seguro do que o voto eletrônico, em razão dos riscos decorrentes da manipulação humana e da quebra de sigilo. Muitos países que optaram por não adotar o voto puramente eletrônico tiveram experiências históricas diferentes das nossas, sem os problemas de fraude ocorridos no Brasil com o voto em papel. Em muitos outros, a existência de voto em papel não impediu as constantes alegações de fraude, como revelam episódios recentes”.
No final do comunicado dirigido à sociedade brasileira, dentro da preocupação em tranquilizá-la face a especulações de toda ordem que têm sido alimentadas pela máquina de propaganda do presidente Bolsonaro e da sua rede de apoiadores disseminada pelo Brasil, os ministros pontuam, com firmeza: “A Justiça Eleitoral, por seus representantes de ontem, de hoje e do futuro, garante à sociedade brasileira a segurança, transparência e auditabilidade do sistema. Todos os ministros, juízes e servidores que a compõem continuam comprometidos com a democracia brasileira, com integridade, dedicação e responsabilidade”. As manifestações de fim de semana, patrocinadas por apoiadores do presidente da República, ocorreram, inclusive, em João Pessoa, onde o deputado estadual Cabo Gilberto (Patriota) reproduziu uma fala de Bolsonaro, através de videoconferência, em que ele repetiu os argumentos que tem agitado para descredibilizar a eficácia das urnas eletrônicas no sistema eleitoral brasileiro.
Há quem considere, nos meios políticos, inclusive entre parlamentares que são aliados do bolsonarismo, que há um erro tático na estratégia do presidente em defender reiteradamente o retorno do voto impresso, escudando-se nas manifestações de rua promovidas por seus liderados ou eleitores. A ofensiva poderia ter chances de surtir mais efeito se desencadeada diretamente junto ao Congresso Nacional, tendo em vista que mudanças no sistema eleitoral brasileiro passam, inicialmente, pela competência legislativa para, depois, virarem jurisprudência com aplicabilidade pelos tribunais especializados. O governo Bolsonaro tem feito manobras ultimamente para ampliar a maioria no Congresso Nacional, especialmente na Câmara, a fim de tornar pacífica a aprovação de matérias de seu interesse. Emissários bolsonaristas acreditam, mesmo, que já há maioria assegurada, sobretudo na Câmara Federal. favorável ao governo de plantão, sobretudo depois que o governo praticamente se entregou ao “Centrão”. Haveria, portanto, um caminho mais curto diante de Bolsonaro – se ele, realmente, quisesse encarar com seriedade algumas pautas. No fundo, a convicção que se reforça é a de que ele só quer mesmo tumultuar a vida institucional brasileira, o que tem feito desde a sua investidura na suprema magistratura da Nação.