Nonato Guedes
Uma reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” aponta que o presidente Jair Bolsonaro enfrenta a mais dura reação desde que foi investido no Palácio do Planalto, sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral em face de ameaças golpistas contra instituições democráticas. A matéria ressalta que a polêmica do voto impresso e os ataques do mandatário a magistrados mobilizaram o debate nos últimos dias e ofuscaram um momento que poderia ser considerado positivo para o governo, com a aprovação pela Câmara Federal da privatização dos Correios, uma das principais pautas econômicas do Planalto, o avanço da vacinação contra a covid e o anúncio de detalhes do novo Bolsa Família, que, com um valor maior, se chamará agora Auxílio Brasil. “Nenhum destes assuntos, porém, foi tão comentado quanto o voto impresso ou as investidas do governante contra a democracia”, informa o “Estadão”.
Desde 29 de julho, o presidente repete de forma enfática e com insistência irritante uma afirmação feita por ele ainda quando era candidato ao Palácio do Planalto, sempre sem provas: a de que as urnas eletrônicas eletrônicas usadas no Brasil não são confiáveis e foram usadas para fraudar as últimas eleições. Desta vez, porém, as informações falsas veiculadas na transmissão ao vivo pelas redes sociais do dia 29 tiveram consequências. Após a “live bomba”, o presidente angariou manifestações de censura e protestos na própria classe política e em setores da sociedade civil organizada e entrou no índex de tribunais superiores, que tomaram a iniciativa de investigá-lo, como tática para conter a escalada autoritária desenfreada que Bolsonaro vem estimulando. Empresários e intelectuais divulgaram manifesto a favor das eleições com voto eletrônico, assim como a cúpula do Ministério Público.
A proposta do voto impresso foi rejeitada na comissão especial da Câmara dos Deputados, mas na sexta-feira o presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL) puxou a emenda para o plenário. A previsão é de que o texto seja votado até quarta-feira e Lira avisou Bolsonaro, porém, que se o governo for novamente derrotado e ele não respeitar a decisão, o Centrão deixará de ser um aliado. Mencionou até mesmo um “botão amarelo” a ser acionado, sinal de que tem às mãos a possibilidade de abrir caminho para o impeachment. Até agora, Bolsonaro conseguiu escafeder-se de mais de uma centena de pedidos de afastamento do cargo por alegados crimes de responsabilidade, bafejado por manobras nos bastidores do Congresso. Até mesmo o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (ex-DEM), que é crítico do presidente da República, furtou-se a colocar o tema em apreciação, alegando que não era o momento oportuno para tanto. Só depois que não conseguiu reeleição para a presidência da Casa foi que Rodrigo passou a defender a urgência de tramitação do processo de impedimento, mas o sucessor, Arthur Lira, permanece no campo da ameaça.
Para o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), o País precisa “se acostumar” ao comportamento do chefe do Executivo. “O presidente Bolsonaro é o presidente Bolsonaro. “Precisamos nos acostumar com isso. Já é presidente há dois anos e meio, e todo mundo sabe o jeito dele. Ele reage. Está tudo dentro do que era esperado que fosse. Não consigo ver como isso estaria fora do padrão do comportamento dele”, declarou Barros ao “Estadão”. O deputado igualmente minimizou a importância do manifesto de empresários em defesa das eleições e as respostas do Judiciário ao presidente. “Quantos empresários são? Isso tudo é narrativa. Todo mundo quer pegar uma carona cada vez que isso surge como assunto. Isso não é um movimento consolidado, organizado. São os que querem fazer média. No Judiciário também tem muita gente querendo fazer média”, desabafou Barros, que, aliás, é alvo da CPI da Covid.
A resposta do líder do governo foi contestada pelo cientista político Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais: “É bom o Brasil não se acostumar ao jeito Bolsonaro de ser. O melhor é que Bolsonaro se acostume com a democracia no Brasil e não que o Brasil se acostume com os seus arroubos autoritários”, afirmou Leonardo, que é um dos principais pesquisadores sobre democracia no País, colocando a discussão em seu lugar objetivo. Na avaliação do cientista, o discurso de Bolsonaro é muito mais do que bravata. “A gente vive um processo de erosão das instituições democráticas. O presidente está questionando a segurança do voto e, com isso, erodindo a confiança de um conjunto grande da população acerca da lisura do processo eleitoral, que é um dos fundamentos principais, se não o principal, da democracia brasileira”, comentou o professor. Para Avritzer, as declarações do presidente podem “ser o ponto de partida para um questionamento do resultado eleitoral de 2022, o que pode gerar muita turbulência política e até mesmo violência”.
A reação às investidas de Bolsonaro contra a democracia têm se ampliado cada vez mais. Há autoridades, como o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito das fake news, que duvidam da possibilidade de bravatas como as de Bolsonaro provocarem um golpe no país. “Eu acredito fielmente nas instituições e vamos solidificando a democracia”, preconizou ele. Enquanto Bolsonaro tenta pautar a agenda política do país e, de certo modo, consegue resultados, com aprovação de matérias de seu interesse e promoção da confusão na opinião pública, vai se reforçando o consenso de que é preciso reagir a toda e qualquer ameaça autoritária que parta do presidente da República. A mobilização constante contra abusos de poder é o grande antídoto contra surtos autoritários como os que já mancharam a História do Brasil.