Nonato Guedes
Um dos “factóides” alimentados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para desviar a atenção sobre problemas do seu governo ruiu por terra, ontem, na Câmara dos Deputados, quando foi sepultada a Proposta de Emenda Constitucional do Voto Impresso, de autoria da deputada federal bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF). Pelo menos seis deputados federais paraibanos votaram contra a PEC polêmica: Damião Feliciano (PDT), Frei Anastácio Ribeiro (PT), Gervásio Maia (PSB), Pedro Cunha Lima (PSDB), Aguinaldo Ribeiro (PP) e Wellington Roberto (PL). Manifestaram-se favoravelmente a deputada Edna Henriques (PSDB) e os deputados Julian Lemos (PSL) e Ruy Carneiro (PSDB). Abstiveram-se de votar os deputados Hugo Motta (PRB), Efraim Filho (DEM) e Wilson Santiago (ex-PTB). “Espero que o assunto esteja definitivamente encerrado”, revelou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). É o que também espera a maioria da sociedade brasileira.
A PEC do Voto Impresso – Proposta de Emenda à Constituição 135/19 alcançou 218 votos contra, 229 votos a favor e uma abstenção. Para que a tramitação avançasse no âmbito da Câmara eram necessários votos favoráveis de 308 dos 513 congressistas. A PEC era do interesse do presidente Jair Bolsonaro, que fez cruzada ostensiva em sua defesa, invocando como pretexto que a urna eletrônica é inconfiável e passível de fraudes. Chegou a prometer, em pronunciamento nas redes sociais, apresentar provas concretas de fraudes que teriam ocorrido nas eleições presidenciais de 2014 e mesmo nas de 2018, quando ele foi eleito derrotando Fernando Haddad, o candidato do PT, no segundo turno. Houve forte reação por parte do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, também dos quadros do Supremo Tribunal Federal, que foi chamado de “mentiroso” por Bolsonaro e acusado de ter ido para dentro do Parlamento fazer reuniões com lideranças, praticamente exigindo que o Congresso não aprovasse o módulo do voto impresso.
Entre muitos líderes políticos e expoentes de setores da sociedade, a PEC foi severamente criticada por representar, na opinião dessas figuras, um retrocesso no sistema político-institucional brasileiro. Bolsonaro, além de se tornar apologista do voto impresso, mobilizou apoiadores, especialmente em redes sociais, para tentar pressionar o Congresso Nacional a atender seus caprichos. No dia da votação, promoveu em Brasília, em frente ao Palácio do Planalto, um desfile de forças militares a título de ensaio para treinamento de rotina, o que repercutiu negativamente por ser encarado como tentativa de intimidação dos congressistas. A medida defendida por Bolsonaro e seguidores fora derrotada na comissão especial da Câmara criada para discutir o tema. Mas Arthur Lira tomou a iniciativa de levar o projeto para a análise de todos os deputados, em manobra incomum no Parlamento, no que foi interpretado como uma manobra de Lira para dividir responsabilidades, diante da controvérsia suscitada pela PEC do Voto Impresso.
A elevação do tom dos ataques do presidente da República ao ministro Barroso e ao Supremo Tribunal Federal deu-se em meio à escalada de tensão entre os poderes. No dia 5, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, cancelou uma reunião que haveria entre os chefes de Poderes, justamente dentro do esforço para acalmar os ânimos e estabelecer consensos em torno de uma pauta mínima de soluções para o País. Ele salientou que “o pressuposto do diálogo entre os poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes”, e esse discurso foi feito após a reação de Bolsonaro a uma decisão do Supremo Tribunal Federal de incluí-lo no inquérito das fake news, atendendo a pedido do TSE, que citou o mandatário como responsável pela disseminação de notícias falsas e pelos ataques às urnas eletrônicas e às eleições, durante live no último dia 29 de julho. Havia, concretamente, todo um cenário de confronto estimulado pelo Palácio do Planalto, para colocar em xeque, novamente, a estabilidade das instituições.
Como recapitulou o UOL a propósito dos acontecimentos polêmicos em Brasília, Bolsonaro, que enfrenta perda de popularidade, ameaça reiteradamente a realização das eleições de 2022, lançando dúvidas infundadas sobre as urnas eletrônicas. Desde a adoção dos aparelhos, no Brasil, em 1996, nunca houve comprovação de fraude nas eleições, como mostram auditorias realizadas pelo TSE, investigações do Ministério Público Eleitoral e estudos independentes. Equivocadamente, o presidente já afirmou que a votação eletrônica não seria auditável, o que foi negado por especialistas ouvidos na comissão especial da Proposta de Emenda Constitucional. O relatório do deputado governista Filipe Barros (PSL-SP) sobre o tema, que foi rejeitado, previa uma apuração “exclusivamente de forma manual”, por meio da contagem de cada um dos registros impressos de voto, em contagem pública nas seções eleitorais, com a presença de eleitores e fiscais de partido. Em síntese: seria o fim da apuração por meio eletrônico.
Entre parlamentares bolsonaristas, a ideia dominante era a de aprovar a proposta na Câmara e jogar o tema para o Senado, como estratégia para manter o discurso do Palácio do Planalto. A cruzada de Bolsonaro contra o voto eletrônico ganhou ímpeto depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recuperou direitos políticos e anunciou a possibilidade de concorrer à presidência da República no próximo ano. Na sequência, Lula passou a figurar na liderança de pesquisas de intenção de votos em diferentes regiões do país. Tudo isto contribuiu para que o desespero se abatesse sobre o presidente Jair Bolsonaro e o levasse a rompantes que acabaram sendo encarados como “bravatas”. Sua última cartada, megalomaníaca, foi a de patrocinar o patético desfile do comboio de carros blindados e de forças militares em Brasília, ontem. Mas nem isso intimidou a maioria dos parlamentares, que decidiu livrar o País da sina de continuar na contramão da História na desastrada gestão de Bolsonaro. A democracia saiu fortalecida.