Nonato Guedes
Embora alguns analistas da mídia considerem que, mesmo derrotado na questão do voto impresso, o presidente Jair Bolsonaro saiu da polêmica com ativos importantes que lhe dão trégua na bandeira do impeachment, agitada por opositores, o economista paraibano Maílson da Nóbrega expôs em artigo na revista “Veja” os custos econômicos de um golpe de Estado, obsessão recorrente na narrativa bolsonarista ou nos delírios do capitão. Maílson, que foi ministro da Fazenda no governo do presidente José Sarney, avalia de forma taxativa: “O golpe seria um enorme desastre para o país. Apenas a ignorância pode justificar a ideia de um retrocesso institucional de tamanhas implicações”.
Bolsonaro continua atuando como “vivandeira de quartéis”, tentando cooptar militares para seu projeto ditatorial que implica em perpetuação no poder, mas Maílson, depois de lembrar que um golpe de Estado exigiria o apoio militar, raciocinou: “É pouco provável, todavia, que as Forças Armadas embarquem na aventura, pois jogariam fora o prestígio conquistado na sociedade após o fim do regime iniciado em 1964”. Uma outra hipótese, considera Nóbrega, seria uma ruptura com suporte de Polícias Militares – “que ele (Bolsonaro) adula com frequência” – mas não há histórico da participação delas em quarteladas. A suspeita de golpe, para Maílson, é retroalimentada pela insistência do presidente da República quanto a fraude na urna eletrônico.
Entende o ex-ministro que Bolsonaro subiu o tom na defesa do voto impresso quando sentenciou: “Ou temos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Entretanto, o próprio Maílson deixou patente o seu ceticismo quanto à aprovação da medida por maioria parlamentar. E emendou: “A menos que ele (Bolsonaro) não entenda quais são seus poderes, daí dizer que somente Deus o tira daquela cadeira, a ideia dependeria de um golpe para materializar seus instintos autoritários e o propósito de tornar-se um ditador. Editaria uma espécie de AI-5, que seria excluído de apreciação do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal. Em seguida, fecharia as duas instituições, sob comando de um cabo ou de um sargento”. Maílson lembra que golpes são rupturas dos tempos da Guerra Fria, quando ameaças comunistas serviam de justificativa a movimentos contra a democracia. Nesse enredo, o novo governo era logo reconhecido pelos Estados Unidos e por outras nações relevantes, enquanto empresas multinacionais aumentavam seus investimentos no país.
“Hoje, não haveria apoio internacional para o golpe, o qual provocaria três reações. Primeira, o Brasil seria expulso do Mercosul por causa da violação de sua cláusula democrática, o que afetaria as exportações de mais de 20% das vendas externas de manufaturados. Segunda, a OCDE rejeitaria o pedido de ingresso do Brasil na organização, pois teríamos um governo autoritário. Isso reduziria nossa capacidade de atrair investimentos. A terceira reação viria de investidores estrangeiros, que fugiriam do mercado financeiro com perdas de reservas internacionais. Seriam enfraquecidos o balanço de pagamentos e a avaliação de risco do país”, informa Maílson da Nóbrega. Explica que, atualmente, grande parte dos detentores de poupança exige que seus recursos sejam aplicados apenas em países que se enquadrem na agenda ESG, sigla em inglês para meio ambiente, social e governança.
Um golpe, é o que conclui o ex-ministro da Fazenda, alojaria o Brasil daquele mercado, com graves efeitos macroeconômicos. Ao mesmo tempo, a perda de reservas internacionais e de confiança provocaria uma forte queda da percepção de risco do país. Disso decorreriam alta da inflação e, em seguida, queda do potencial de crescimento da economia, da renda e do emprego. O “fecho” da análise de Maílson é o que já foi mencionado: “o golpe seria um enorme desastre para o país”. São avaliações que precisam ser levadas em conta no exame da conjuntura, sobretudo em virtude das oscilações que a conjuntura enfrenta no Brasil no governo de Jair Bolsonaro. Enquanto digere o impacto da derrota em plenário da PEC do Voto Impresso, o governo se debruça sobre o apoio relevante de um contingente de deputados obtido na matéria polêmica – cerca de 229 votos na Câmara. Não é um quorum bastante para aprovar PECs ou leis complementares, mas é suficiente para tocar o dia a dia e mais do que confortável para barrar pedidos de impeachment, informa o site “Poder360”.
Ao mesmo tempo, analisa-se com lupa nos meios políticos e, principalmente, no círculo do Palácio do Planalto, a divisão reinante na oposição por ocasião da votação da PEC do Voto Impresso. “Era esperado que partidos anti-Bolsonaro votassem em peso contra o voto impresso. Não foi o que se observou. Parte da esquerda ficou dividida. O PSB teve 17 deputados que seguiram a orientação da sigla, contra o voto impresso, mas onze foram favoráveis. No PDT, foram 18 votos contra a PEC e 6 favoráveis. O PSDB também se dividiu – foram 14 votos a favor e 12 contra”, relata a reportagem do “Poder360”. Enquanto houver espaço, os bolsonaristas continuarão a pressionar para que algo seja aprovado a respeito do voto impresso. As chances de vir a prosperar uma articulação nesse sentido são mínimas ou zero, mas, de novo, o que interessa a Bolsonaro é manter o debate vivo. Isto impõe que haja uma reação mais inteligente e sincronizada entre opositores de Bolsonaro nos partidos e representantes da sociedade civil, com ação mediadora da própria Justiça Eleitoral para preservar a democracia. Este desafio parece urgente, diante do perfil de Bolsonaro e do seu comportamento com relação às instituições e à estabilidade política nacional.