Nonato Guedes
Depois de amanhã terá início a tão aguardada visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Nordeste. O pretexto é o de encontrar lideranças políticas e sociais para debater a atual conjuntura, os graves problemas que o País enfrenta e propor alternativas ao governo Jair Bolsonaro (sem partido) que é qualificado como antipovo e despreparado para resolver impasses que vão da crise sanitária, agravada pela pandemia de coronavírus, à crise econômica e social, refletida nos índices alarmantes de desemprego e de fechamento de setores produtivos. Na prática, Lula deflagrará uma peregrinação pré-eleitoreira para 2022, na condição de candidato ao Planalto, bafejado por decisão do Supremo que restaurou seus direitos políticos e assegurou-lhe condições de elegibilidade.
Num primeiro momento, de acordo com informações da cúpula nacional do Partido dos Trabalhadores, Lula cumprirá roteiro em seis Estados da região – a Paraíba ficará de fora, enquanto se contornam problemas decorrentes do retorno do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) aos quadros petistas e à definição do “palanque multipartidário” para acolher apoiadores do ex-presidente, que vão do governador João Azevêdo (Cidadania) ao senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB) e ao ex-prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PV). Azevêdo já foi filiado ao PSB, de onde saiu por divergências com Ricardo, que agora sai por divergências com o PSB nacional e com o atual presidente no Estado, Gervásio Maia. Luciano abandonou as fileiras do PT quando estourou o escândalo do mensalão e havia sido eleito para o prefeito mandato na prefeitura pessoense. Veneziano votou pelo impeachment de Dilma Rousseff quando deputado federal, mas é respeitado pela sua posição como Vice-Presidente do Senado, presidente do diretório estadual do MDB e opositor do presidente Bolsonaro.
Lula passará por Pernambuco, Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia. A agenda prevê reuniões com governadores, representantes de movimentos sociais e sindicais, além de lideranças regionais. Em consequência das restrições impostas pela pandemia do coronavírus, não haverá ato público de massa em nenhum dos Estados. Esta será a primeira vez que Lula retorna ao Piauí, Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte, depois dos 580 dias de prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, quando foi acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em Pernambuco e na Bahia, o ex-mandatário esteve em 2019. A região do Nordeste é uma das que sofrem mais fortemente os efeitos da crise econômica, com perda de renda, emprego e aumento da inflação.
Um levantamento divulgado no início de agosto, pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), aponta como a Covid-19 impactou diretamente a renda de 59% das pessoas do Nordeste, revela o site “Revista Fórum”. Os habitantes do Piauí (79%) e do Ceará (65%) foram os que mais indicaram ter perdido renda em consequência da pandemia. A situação atual do país e, mais especificamente, a do Nordeste, é considerada extremamente diferente dos anos do governo Lula. Entre 2001 e 2011, a renda per capita mediana no Nordeste cresceu 73%, a renda das zonas rurais subiu 85% e a dos pretos e pardos aumentou mais que a dos brancos (66,3% e 85,5% contra 47,6%). O site de Lula informa que já no domingo ele desembarca em Pernambuco, encontrando-se com o governador Paulo Câmara, do PSB, e na segunda estará com representantes de movimentos sociais do Estado.
Lula chega ao Nordeste surfando na onda do profundo desgaste do governo de Jair Bolsonaro e colhendo, ainda, os frutos do prestígio do Partido dos Trabalhadores na região, além dos índices elevados de aprovação aos seus governos, num dos quais fez avançar o projeto de transposição das águas do rio São Francisco, considerado “redentor” para contingentes expressivos da população do semiárido. Um outro passo marcante que Lula deu, esta semana, na narrativa para restaurar sua história, foi o lançamento em São Paulo do Memorial da Verdade, um livro e plataforma digital que contam todo o enredo de perseguição judicial que ele diz ter enfrentado até provar definitivamente sua inocência e recuperar seus direitos políticos. A discussão sobre a inocência de Lula ainda é polêmica – há quem avalie nos meios jurídicos e políticos que isto não está consumado. Mas, entre março e junho deste ano, o Supremo anulou as quatro ações ilegais movidas pela Lava-Jato contra ele e declarou o ex-juiz Sergio Moro parcial e suspeito.
O líder petista ressalta que, além desses processos, foi absolvido ou teve as denúncias arquivadas porque não tinham justa causa nem base em fatos, em outros onze casos já julgados fora da Vara que Sergio Moro comandava. No texto de apresentação, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, afirma que o objetivo do livro e da plataforma digital é deixar bem claros para o povo brasileiro os motivos pelos quais Lula e o PT “foram perseguidos a ponto de o maior líder do Brasil ser preso e cassado sem ter cometido nenhum crime”. Hoffmann salienta que a luta continua, agora, para restabelecer a verdade. O objetivo de toda essa estratégia, naturalmente, é preparar o terreno para reconduzir Lula de volta ao poder, protagonizando um caso raro de reabilitação política fulminante na história do Brasil. Não é à toa que Lula e o PT estão em absoluto estado de graças.