Nonato Guedes
A nova realidade desenhada no cenário político da Paraíba a partir de 2019, com o rompimento entre o governador João Azevêdo, recém-investido no poder, e o antecessor Ricardo Coutinho, que foram aliados na campanha de 2018 e estiveram juntos no mesmo palanque, foi o fator determinante para que o nosso Estado ficasse de fora da primeira rodada de viagens do presidenciável petista Luiz Inácio Lula da Silva, deflagrada a partir do Recife. Lula tem gratidão a Ricardo, que o visitou quando estava preso na superintendência da PF em Curitiba, e atenção para com Azevêdo, que sempre lhe tratou bem mesmo quando os signos dele com o de Coutinho já não cruzavam. Ainda agora, João abriga petistas históricos no seu governo e já patenteou o desejo de apoiar a candidatura de Lula. Ricardo, por sua vez, está fazendo o caminho de volta às fileiras do PT, onde pretende disputar o Senado, desafiando prognósticos de que é inelegível.
Somente Lula, com sua indiscutível habilidade, ou com sua “conversa irresistível”, como definiu um político de expressão nacional que hoje é ministro do governo de Jair Bolsonaro, tem condições de conciliar situações na Paraíba, aparentemente sem o risco de perder votos, ou seja, de sangrar o potencial de apoios com que procura lastrear a sua candidatura, já antevendo o rolo compressor de que Bolsonaro deverá lançar mão em 2022 para tentar permanecer no Palácio do Planalto. Ontem, Azevêdo protagonizou uma prévia do embate com Ricardo para o futuro e mandou mensagem subliminar a Lula ao conduzir solenidade junto com petistas históricos e prontificar-se a abrir o palácio para recepcionar o líder petista. Na conjuntura atual, Ricardo está desgastado pela citação do seu nome em processos da Operação Calvário, que apura desvios de verbas da Saúde e Educação. Foi derrotado em 2020 como candidato a prefeito de João Pessoa, mas tem bala na agulha, o suficiente para migrar do PSB de volta ao PT e, neste, ser acolhido, apesar da desagregação que provocou em suas hostes no passado.
O apoio do governador João Azevêdo (Cidadania) é avaliado como importante por Lula, tanto por se tratar de um governante que é anti-Bolsonaro, como por ter percentual de aprovação em relação à sua atuação administrativa. São poucos os gestores que conseguem passar no crivo dos eleitores, em meio a um ambiente hostil, adverso para quem está no Executivo, pelas cobranças que têm sido feitas diante da pandemia de novo coronavírus, tanto no que diz respeito ao enfrentamento à crise sanitária como na gestão positiva da crise econômica e social que explodiu como corolário da questão de Saúde Pública. Os passos de Azevêdo têm sido facilitados pela austeridade que ele imprime ao trato da coisa pública no Estado e ao êxito na campanha de vacinação e em outras conquistas na área da Saúde, bafejado pela presença de um cardiologista paraibano, Marcelo Queiroga, à frente do Ministério da Saúde. E esse histórico é do pleno conhecimento de Lula e das lideranças políticas nacionais.
É evidente que Azevêdo não tem, nem de longe, a pretensão de imiscuir-se nas questões internas de outros partidos. Não tem feito isto em relação a nenhum partido, inclusive os de viés conservador, que estão na base de sustentação política do governo, dividindo espaços no metro quadrado com o Partido dos Trabalhadores, e não seria, agora, que iria dizer a Lula para não readmitir o ex-governador Ricardo Coutinho no PT. Mas o governador paraibano se permite o direito, no momento oportuno, de alardear as suas diferenças e a própria dificuldade de voltar a conviver com Ricardo Coutinho, que praticamente o lançou na atividade política. A dinâmica dos fatos tornou-os adversários mais cedo do que imaginavam – e é do interesse direto de João Azevêdo que o divisor de águas fique bem nítido, tanto para a opinião pública, como para líderes políticos de prestígio como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A inconvivência entre João Azevêdo e Ricardo Coutinho na realidade política paraibana é agravada pelo fato de que, enquanto o primeiro se empenha em consolidar uma candidatura à reeleição, atraindo novos aliados, o antecessor trabalha, furtivamente, para forjar um candidato de oposição capaz de derrotar Azevêdo, já que, pessoalmente, Ricardo não deverá se arriscar em meio à maré de especulações sobre sua inelegibilidade. Por esse contexto passará, inevitavelmente, a sucessão presidencial. Sabe-se que o candidato de Jair Bolsonaro ao governo na Paraíba deverá ser o ex-prefeito de Campina Grande, Romero Rodrigues (PSD), que tem afinidades com o mandatário. No papel de anti-Bolsonaro, seria natural que Azevêdo contasse com o apoio de lula. Como já foi dito, não é um estranho no ninho. Em 2018, cerrou fileiras ao lado da candidatura de Fernando Haddad, que substituiu a Lula na corrida eleitoral.
Lula contempla, com interesse, o cenário da Paraíba, buscando a melhor solução para poder depositar suas fichas na mesa e não perder apoios valiosos. Em última análise, constatada a incapacidade do ex-presidente ou de qualquer homem público de obrar milagres, poderá entrar no radar a sempre polêmica ideia de dois palanques, ou de palanque multipartidário, já que outras forças não alinhadas a Azevêdo ou a Ricardo querem firmar posição de apoio a Lula. A estratégia ainda está sendo pensada, como se depreende do adiamento da vinda do ex-presidente ao nosso Estado. Suspeita-se que Lula esteja apostando numa “saída de emergência” que acabe servindo de modelo para outros Estados, onde conflitos entre grupos políticos se reproduzem, com peculiaridades distintas. A Paraíba, então, seria o laboratório para teste do balão de ensaio que Lula e o PT podem vir a adotar nacionalmente. A conferir!