Nonato Guedes
O publicitário baiano Duda Mendonça, cuja morte ainda repercute e que era considerado o maior especialista brasileiro em marketing político, comandou a primeira campanha vitoriosa do ex-socialista Ricardo Coutinho ao governo da Paraíba em 2010, quando teve como adversário principal o ex-governador José Maranhão, do PMDB, até então tríplice coroado no poder estadual. A decisão de contratar Duda partiu do próprio Ricardo, que levou em conta a capacidade técnica dele e a necessidade de criar um fato de impacto diante das pesquisas preliminares que favoreciam Maranhão. A disputa de 2010 foi decidida no segundo turno e um dos slogans com a assinatura do baiano propagava que a Paraíba precisava de “um grande salto” e que esse salto seria dado sob a liderança de Coutinho, recém-saído da prefeitura de João Pessoa, conquistada em duas eleições consecutivas.
Há vídeos disponíveis na internet reproduzindo cenas do desembarque de Duda Mendonça em João Pessoa e de reuniões com Ricardo e o ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB), que se aliaram na época, com o tucano concorrendo ao Senado e sendo vitorioso. A candidata lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à sua sucessão, Dilma Rousseff, evitou vir à Paraíba durante a campanha porque tanto Ricardo quanto Maranhão recomendavam o seu nome, embora Cássio e Efraim Morais (DEM), postulantes ao Senado, alegassem compromissos com José Serra (PSDB). Efraim, que postulava a reeleição ao Senado, foi atropelado pela candidatura de Vital Filho (PMDB), que dividiu cadeira com Cássio, mas Ricardo se impôs em nome da renovação e pelo carisma de que, então, desfrutava. Havia quatro opções de agências publicitárias para a campanha de Ricardo – duas paraibanas, uma de Pernambuco e a de Duda Mendonça, afinal escolhida diretamente por Coutinho, que não costumava terceirizar decisões.
Duda viveu o céu e o inferno do marketing político brasileiro. Estrela da campanha presidencial de Lula em 2002, o publicitário viu seu patrimônio profissional e moral ruir depois do escândalo do mensalão, quando afirmou que parte da campanha de Lula à presidência fora paga com dinheiro de caixa dois. A forte associação com o PT e a mácula no currículo por admitir a forma irregular de pagamento espantaram os clientes de partidos de oposição ao governo Lula e reduziram o campo de atuação de Duda, que, além do mais, viu minguarem os contratos com o governo federal, uma represália petista pelo excesso de sinceridade que colocou o partido em maus lençóis após admitir, em comissão de inquérito da Câmara dos Deputados, a existência de caixa dois na campanha do PT. Dos R$ 63 milhões que recebeu em 2004, os contratos de Duda com o governo federal caíram para uma média de R$ 10 milhões anuais. Aos poucos, o publicitário retomou seu espaço, em 2010, rodando o país em encontros reservados com candidatos aos governos estaduais e ao Senado. Na Paraíba, seu engajamento decisivo foi na campanha de Ricardo.
Embora no livro “Casos & Coisas” tenha deixado claro que nunca se considerou um “mago”, Duda Mendonça tinha lá suas “bruxarias” no campo do marketing político – na verdade, um repertório de lampejos de criatividade que fizeram a sua fama e o colocaram no papel de “fazedor de governantes”. Conseguiu transitar do malufismo para o petismo, como profissional, pelo seu talento e, também, pela sorte. Foi assim que ocupou lugar de destaque na campanha de Lula em 2002, apostando no figurino do “Lulinha Paz e Amor”, uma contrafação do barbudo, radical de esquerda, que em outras campanhas assustava, sobretudo, segmentos da elite e da classe média. Um dos seus feitos marcantes, e de impacto, foi “a campanha do PT e do povo brasileiro”, intitulada “Xô, corrupção”. O impacto foi tão significativo que reabilitou o Partido dos Trabalhadores, quando muitos julgavam-no definitivamente decaído, por ter sido ferido no seu principal dogma: a ética.
O relato sobre essa campanha é de Duda: “Comecei pensando: qual o símbolo mais repugnante do ladrão? O rato, é claro. E qual o símbolo mais forte, a expressão mais imediata e verdadeira do coração da pátria? A nossa bandeira, não é verdade? O que fiz então foi acoplar os dois símbolos. E o resultado dessa junção foi explosivo. Bateu fundo. A imagem era forte, dramática, intensa. E, ao mesmo tempo, diferente e de fácil compreensão. Dezenas de ratos roendo vorazmente nossa bandeira, arrastando-a para o buraco. Nenhuma palavra, nenhum fato, nenhuma explicação. No final, apenas uma frase: “Ou a gente acaba com eles ou eles acabam com o Brasil”. E a assinatura: “Xô, corrupção – uma campanha do PT e do povo brasileiro”. O comercial foi recebido com aplausos, tanto em assembleias petistas como junto a setores da mídia, sendo veiculado em primeira mão, debaixo de grande repercussão, pelo Jornal da Record, na época apresentado por Boris Casoy, que popularizou o bordão: “Uma vergonha!!!”.
Duda Mendonça era, sim, um gênio do marketing político brasileiro, ao lado de outros notáveis da publicidade. Revolucionou conceitos de mídia, adotou inovações, sacudiu a pasmaceira e jogou para longe o bolor que tomava conta das agências de publicidade atuantes no país, sobretudo aquelas especializadas em propaganda política. Fez escola – ainda hoje, em vários Estados, há discípulos do “método Duda Mendonça”, que se alimentava de matérias-primas essenciais como as pesquisas “quali” e “quanti”, em cima das quais ele montava cenários possíveis das batalhas em que se enfronhou na história da crônica política brasileira. Duda só não fazia milagres, como deixava claro aos seus clientes. Um deles, o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que pagou para ver, e pagou caro – derrotado numa tentativa de voltar ao Palácio do Campo das Princesas depois de Duda ter-lhe dito que os ventos não sopravam a seu favor.